Fake news sobre vacinas elevaram mortes por COVID-19 no Brasil

Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, publicada na Revista de Enfermagem da UFPI, mostra que a desinformação teve impacto direto na mortalidade da pandemia

Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, publicada na Revista de Enfermagem da UFPI, mostra que a desinformação teve impacto direto na mortalidade da pandemia

A pandemia da COVID-19 expôs ao mundo não apenas a corrida científica por vacinas, mas também a velocidade com que informações falsas se espalharam nas redes sociais. Esse ambiente de desinformação, que contribuiu para a hesitação vacinal e para a resistência às medidas de saúde pública, foi analisado em profundidade por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O artigo, liderado pela pesquisadora Adriana Rodrigues da Cunha e publicado em 2025 na Revista de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI), mostra que a circulação de fake news sobre vacinas esteve associada ao aumento de mortes por COVID-19 no Brasil¹.

O estudo examinou dados de janeiro de 2021 a dezembro de 2022, cruzando informações oficiais do Ministério da Saúde com registros de notícias falsas mapeadas pelas agências brasileiras de checagem Lupa e Aos Fatos, especializadas em jornalismo de verificação. A intensidade da desinformação foi medida pelo volume mensal de boatos identificados e desmentidos por essas agências, e então comparada com indicadores de mortalidade e letalidade da doença¹.

Os dados apontam que, embora houvesse queda progressiva nas mortes por COVID-19 ao longo de 2021 e 2022, essa tendência não foi uniforme. Em regiões e períodos em que a circulação de fake news foi mais intensa, os óbitos permaneceram em patamares mais altos, evidenciando que a desinformação funcionou como obstáculo adicional ao controle da pandemia¹. A análise estatística reforçou essa associação: houve correlação positiva entre o aumento dos boatos e a mortalidade, e a desinformação se manteve como fator independente de risco mesmo quando outros elementos epidemiológicos foram considerados¹.

Para os autores, a desinformação se comportou como um vetor invisível da pandemia: não causa infecção direta, mas enfraquece a proteção coletiva, atrasa a imunização em massa e prolonga a circulação do vírus¹.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi uma das primeiras a chamar a atenção para o fenômeno, em 25 de agosto de 2020, ao popularizar o termo “infodemia” para descrever a superabundância de informações — algumas corretas, outras não — que circulam durante crises sanitárias e dificultam a resposta pública². Em 11 de dezembro do mesmo ano, reforçou o alerta, definindo a infodemia como um “tsunami de informação” que acompanha epidemias e exige estratégias próprias de enfrentamento³.

No Brasil, durante a pandemia, proliferaram mensagens falsas que afirmavam que vacinas poderiam causar infertilidade, alterar o DNA ou conter microchips. Essas narrativas circularam por correntes de WhatsApp, vídeos no YouTube e publicações em redes sociais, ganhando força em comunidades digitais sem mecanismos de checagem. A repetição massiva desses conteúdos gerou um ambiente de dúvida e medo, especialmente entre pessoas com menor acesso a informação científica de qualidade. O artigo aponta que esse ecossistema de boatos favoreceu a hesitação vacinal e comprometeu a adesão às campanhas de imunização, atrasando a proteção coletiva e ampliando o impacto da pandemia¹.

Desinformação como questão de saúde pública

O estudo sustenta que combater fake news em saúde exige mais do que checagens pontuais. A simples refutação, feita de forma isolada, chega tarde demais e atinge menos pessoas do que o boato original. Por isso, os autores defendem investimentos em alfabetização midiática e científica desde a escola, para que a população desenvolva senso crítico diante de conteúdos enganosos. Também ressaltam o fortalecimento do jornalismo profissional como fonte de credibilidade e transparência, sobretudo em crises sanitárias, quando a confiança social pode determinar o sucesso ou fracasso de políticas públicas. Além disso, defendem que plataformas digitais assumam responsabilidade sobre os conteúdos que amplificam e monetizam, já que sem regulação os boatos atingem milhões de pessoas em minutos¹.

Os pesquisadores destacam ainda que a comunicação pública deve ser clara e acessível, condição essencial para reduzir ambiguidades e interpretações equivocadas que alimentam a desinformação¹.

Eles concluem que a desinformação precisa ser tratada como um problema epidemiológico de grande porte, comparável a fatores de risco coletivos. Assim como hipertensão ou tabagismo aumentam a probabilidade de adoecimento em escala populacional, as fake news sobre vacinas elevam o risco de morte ao fragilizar a proteção coletiva. O artigo ressalta que boatos não são apenas um “ruído” no debate público: eles funcionam como agentes nocivos, capazes de se disseminar em rede, atingir milhões de pessoas em curto prazo e gerar consequências concretas sobre indicadores de saúde, como mortalidade e letalidade. Combater a desinformação, afirmam os pesquisadores, é uma estratégia essencial de prevenção em saúde pública, tão necessária quanto a própria vacinação — e deve integrar os mesmos esforços estruturais das campanhas de imunização, com ações contínuas, baseadas em ciência e de alcance nacional¹.

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