Imunossuprimidos ficam mais expostos a doenças evitáveis; guia lançado por SBIm e SOBOPE traz recomendações específicas para oncologia pediátrica
O Brasil voltou a figurar entre os 20 países com maior número de crianças sem nenhuma dose de vacina, segundo dados recentes da Unicef e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)¹². O alerta reacende preocupações em centros de referência em oncologia pediátrica, onde pacientes imunossuprimidos dependem da alta cobertura vacinal da população geral para reduzir riscos de infecções graves.
“Crianças e adolescentes em tratamento contra o câncer estão mais vulneráveis a doenças que poderiam ser facilmente prevenidas com vacinas. Quando a imunização da população geral cai, perdemos a proteção coletiva e esses pacientes ficam mais expostos a agentes infecciosos que podem causar internações, interrupção de quimioterapia e até óbitos evitáveis”, explica a oncologista pediátrica Carolina Camargo Vince, porta-voz da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE).
Entre as infecções mais preocupantes para pacientes imunocomprometidos estão varicela (catapora), sarampo e influenza. Além de mais agressivas neste grupo, essas doenças podem gerar complicações como pneumonia, encefalite e insuficiência respiratória. “Um surto de sarampo ou varicela em circulação pode obrigar à reestruturação de alas inteiras, suspensão de consultas, bloqueio de leitos e isolamento de pacientes”, afirma a médica.
A preocupação é antiga, mas faltavam condutas padronizadas. Em maio de 2025, a SOBOPE e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) lançaram um **Guia de Imunização para Pacientes Oncológicos Pediátricos**³. O documento traz esquemas detalhados para cada faixa etária e tipo de tratamento, com orientações sobre quais vacinas podem ser aplicadas e em que momento.
Um exemplo prático: vacinas inativadas podem ser retomadas três meses após o fim da quimioterapia. Já as de vírus vivos — como a tríplice viral (SCR), a tetraviral (SCR+varicela), a de febre amarela e a vacina oral da poliomielite (VOP) — só devem ser consideradas a partir de seis meses, mediante avaliação da recuperação imunológica. “Esse intervalo é fundamental para evitar riscos. O guia ajuda os centros a reorganizarem o calendário vacinal com segurança e eficácia”, explica Carolina.
Mesmo durante o tratamento, a vacinação pode ser considerada, especialmente com vacinas inativadas como a da gripe. “A vacina da influenza é uma aliada importante e pode ser aplicada nos intervalos entre os ciclos de quimioterapia, desde que a contagem de células do sangue esteja favorável”, complementa.
Outro pilar fundamental é a vacinação dos contatos próximos — como pais, irmãos, cuidadores e profissionais de saúde. Essa “proteção em anel” é uma das estratégias mais eficazes para reduzir o risco de contágio entre pacientes que não podem receber todas as vacinas. “Idealmente, escolas e comunidades também deveriam participar desse esforço, mas a articulação ainda é limitada. Falta estrutura para implementar fluxos formais de vigilância vacinal em ambientes onde há alunos imunossuprimidos”, afirma a especialista.
Estudos internacionais reforçam os desafios da imunização em oncologia pediátrica. Uma revisão publicada na revista *Vaccines* da MDPI em abril de 2025 detalha as vulnerabilidades imunológicas de pacientes oncopediátricos e a importância de estratégias vacinais específicas para esse grupo⁴. Outro estudo recente, publicado pela *ASCO Global Oncology*, mapeou as lacunas de cobertura vacinal entre pacientes imunocomprometidos e defende a criação de calendários diferenciados com monitoramento constante⁵.
A SOBOPE reforça que a vacinação é uma aliada essencial na jornada de tratamento oncológico. “Evitar infecções é parte do cuidado com o câncer. Estimular a vacinação entre familiares e equipes é um ato de responsabilidade coletiva e solidariedade. Vacinar, nesse contexto, é proteger a vida”, conclui a médica.