Registro inédito no país alinha o Brasil às abordagens mais recentes no manejo de tumores cerebrais, focando em terapias direcionadas para subtipos específicos.
O vorasidenibe, medicamento oral em comprimidos indicado para gliomas difusos de baixo grau com mutação em IDH, teve o registro aprovado no Brasil. A decisão da Anvisa foi publicada em 11 de agosto de 2025 e oficializa a disponibilidade do fármaco no país. No cenário regulatório internacional, a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, concedeu aprovação em 6 de agosto de 2024 para adultos e adolescentes de 12 anos ou mais com astrocitoma, ou oligodendroglioma de grau 2 com mutação suscetível em IDH1 ou IDH2, após cirurgia; segundo a agência, foi a primeira aprovação de uma terapia sistêmica para essa população específica¹. Desenvolvido pela Servier, o vorasidenibe é um inibidor oral que atua bloqueando seletivamente as formas mutantes de IDH1 e IDH2, reduzindo a produção anômala de um oncometabólito chamado 2-hidroxiglutarato, substância associada à progressão tumoral por reprogramação metabólica². O fármaco é ativo no sistema nervoso central e reduz níveis de D-2-hidroxiglutarato (D-2HG), o oncometabólito característico dos tumores IDH-mutantes²,³.
Gliomas difusos de baixo grau, na classificação contemporânea, são tumores infiltrativos do sistema nervoso central, de evolução mais lenta, mas com potencial de progressão. Incluem, orientados por biomarcadores, o astrocitoma IDH-mutante e o oligodendroglioma IDH-mutante com codeleção 1p/19q (perda concomitante dos braços cromossômicos 1p e 19q), ambos grau 2 no espectro dos gliomas difusos. Essa definição segue diretrizes europeias baseadas na classificação da OMS de 2021⁴.
Na prática clínica, a conduta busca equilibrar controle oncológico e preservação funcional, com ressecção máxima segura quando possível e decisão sobre terapias adjuvantes conforme o risco individual⁴. Em contexto de adoção de terapias direcionadas, a confirmação do status de IDH por método validado torna-se um passo central na definição do plano terapêutico⁴.
Evidência clínica e impacto no tratamento
A eficácia do vorasidenibe foi avaliada no estudo de fase 3 INDIGO (NCT04164901)¹, e a bula norte-americana descreve os resultados clínicos que sustentam a aprovação². Conduzido por Ingo K. Mellinghoff (neuro-oncologista; chair de Neurologia do Memorial Sloan Kettering Cancer Center), o ensaio demonstrou que a sobrevida livre de progressão foi de 27,7 meses com vorasidenibe e de 11,1 meses com placebo (HR [razão de risco] 0,39; IC95% [intervalo de confiança de 95%] 0,27–0,56; p<0,001)³. O medicamento também adiou a necessidade de nova intervenção (HR 0,26; IC95% 0,15–0,43)³. A população do INDIGO incluiu pacientes pós-cirurgia, sem radioterapia e quimioterapia prévias e sem necessidade imediata de tratamento citotóxico, cenário que reforça a estratégia de postergar radioterapia e quimioterapia quando clinicamente apropriado³.
Quanto à segurança, os eventos adversos de grau 3 ou maior ocorreram em cerca de um quinto dos participantes que receberam o fármaco. O evento de interesse especial mais notável foi o aumento da ALT (alanina aminotransferase), com aproximadamente 10% dos pacientes apresentando alterações de grau 3 ou maior³. Conforme a bula norte-americana, recomenda-se monitorização periódica de enzimas hepáticas — AST (aspartato aminotransferase), ALT (alanina aminotransferase), GGT (gama-glutamiltransferase) — além de bilirrubina total e fosfatase alcalina, com manejo por suspensão temporária, redução de dose ou descontinuação, conforme a gravidade².
Tratamento de gliomas
Historicamente, o manejo dos gliomas difusos de baixo grau combina a máxima ressecção cirúrgica segura, vigilância ativa em casos selecionados e terapias adjuvantes conforme o risco⁴. Para pacientes de maior risco, a associação de radioterapia à quimioterapia clássica com procarbazina, lomustina (CCNU) e vincristina (PCV) demonstrou ganho de sobrevida no ensaio RTOG 9802, liderado por Jan C. Buckner (oncologista; Mayo Clinic)⁵. Outra referência é o EORTC 22033-26033, conduzido por Brigitta G. Baumert (radio-oncologista; Kantonsspital Graubünden), que comparou temozolomida em monoterapia versus radioterapia em glioma de baixo grau de alto risco e não mostrou diferença global de sobrevida livre de progressão entre as estratégias, ressaltando a influência dos perfis moleculares na decisão terapêutica⁶.
No Brasil, estimam-se cerca de 11.490 casos novos por ano de tumores do sistema nervoso central no triênio 2023–2025 (6.110 em homens e 5.380 em mulheres), categoria que inclui os gliomas; as estatísticas nacionais não discriminam rotineiramente por grau histológico, de modo que os gliomas difusos de baixo grau representam uma fração desse total⁷.
O registro do vorasidenibe representa a chegada, no país, de uma terapia direcionada para gliomas grau 2 com mutação em IDH, com benefício clínico demonstrado no INDIGO e potencial de reorganizar a sequência terapêutica para uma parte dos pacientes. Para a prática, os próximos passos incluem confirmar o status de IDH por método validado, discutir o sequenciamento com radioterapia e quimioterapia em tumor board (comitê multidisciplinar) à luz do risco individual e adotar a vigilância laboratorial hepática recomendada até a publicação da bula brasileira. A adoção ampla dependerá também de avaliações de incorporação e acesso nos sistemas público e privado, além da disponibilização comercial.