É possível reduzir placas nas artérias? Ciência indica regressão parcial

Estatinas em altas doses e mudanças de estilo de vida mostram que a aterosclerose pode ser revertida em parte

Estatinas em altas doses e mudanças de estilo de vida mostram que a aterosclerose pode ser revertida em parte

A aterosclerose, caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura no interior das artérias, é uma das principais causas de infarto e acidente vascular cerebral. Durante muito tempo, acreditava-se que essas placas poderiam apenas ser controladas, mas não revertidas. Ensaios clínicos publicados entre 2004 e 2011, conduzidos por equipes internacionais de cardiologia, demonstraram que a regressão parcial é possível, especialmente com o uso intensivo de estatinas associadas a mudanças consistentes no estilo de vida.

Estudos como o REVERSAL, publicado em 2004 sob liderança do cardiologista norte-americano Steven Nissen, ex-presidente do Departamento de Medicina Cardiovascular da Cleveland Clinic¹, o ASTEROID, também coordenado por Nissen em 2006², e o SATURN, conduzido em 2011 por Stephen Nicholls, diretor do Victorian Heart Institute, na Austrália³, utilizaram ultrassom intravascular  (IVUS) para medir o volume de placas nas artérias coronárias. Os resultados mostraram que a terapia intensiva com estatinas não apenas interrompe a progressão da aterosclerose, mas pode reduzir a carga de placas já existentes. No ASTEROID, por exemplo, a rosuvastatina em altas doses diminuiu em média 0,98% o percent atheroma volume (PAV) e em 6,8% o volume total de placa. No SATURN, tanto a rosuvastatina 40 mg quanto a atorvastatina 80 mg obtiveram reduções consistentes, embora sem diferença significativa entre si para o desfecho primário. Esses achados consolidaram a visão de que, além de controlar o colesterol LDL, as estatinas podem modificar a própria estrutura da placa aterosclerótica, alterando a evolução natural da doença.

Na prática clínica, isso significa que pacientes com doença arterial coronariana já diagnosticada — como aqueles que sofreram infarto ou apresentam angina — podem se beneficiar de terapias intensivas com estatinas, sempre sob supervisão médica. Nem todos os indivíduos necessitam de doses elevadas: em muitos casos, ajustes no estilo de vida e tratamento com doses moderadas já são suficientes. Por isso, a avaliação individualizada é fundamental para equilibrar benefícios e possíveis efeitos adversos, garantindo segurança e eficácia.

O papel do estilo de vida

O papel do estilo de vida, por sua vez, vai além de complementar o uso de medicamentos. O estudo PREDIMED, publicado em 2013 e coordenado pelo epidemiologista espanhol Ramón Estruch, professor da Universidade de Barcelona⁴, confirmou que a dieta Mediterrânea — baseada em frutas, verduras, azeite de oliva extravirgem, peixes e oleaginosas — reduziu em cerca de 30% os eventos cardiovasculares maiores em pessoas de alto risco acompanhadas por quase cinco anos. Já a dieta DASH, validada em pesquisa conduzida por Frank Sacks, professor de Medicina Cardiovascular da Harvard T.H. Chan School of Public Health⁵, comprovou reduções consistentes da pressão arterial, além de melhora do perfil lipídico e auxílio no controle do peso corporal.

Outros fatores comportamentais também exercem papel decisivo. A prática regular de atividade física, segundo a 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease, coordenada por Donna Arnett⁶, pode diminuir em até 30% o risco de eventos cardiovasculares. No mesmo sentido, análises do Global Burden of Disease 2017, lideradas por Emmanuela Gakidou⁷, confirmam que o tabagismo permanece entre os principais fatores de risco modificáveis e que a cessação traz benefícios rápidos e cumulativos.

No Brasil, a Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020, publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e elaborada por 22 especialistas⁸, reforça esse conjunto de evidências ao enfatizar programas de exercícios supervisionados e a abordagem interdisciplinar. O documento orienta a estratificação de risco antes do início das atividades, a personalização da intensidade e a importância da reabilitação multiprofissional. Mostra ainda que tais programas reduzem em até 26% a mortalidade cardiovascular e em 18% as hospitalizações, além de melhorar a qualidade de vida. Cada aumento de 1 MET (unidade de capacidade cardiorrespiratória) está associado a até 25% menos mortalidade total, e a modalidade domiciliar também se mostrou eficaz para ampliar o acesso no sistema de saúde brasileiro.

Diretrizes internacionais complementam essa perspectiva. A 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease, coordenada por Donna Arnett⁶, reforça que exercícios moderados e regulares podem diminuir em até 30% o risco de eventos cardiovasculares. Já análises do Global Burden of Disease 2017, conduzidas por Emmanuela Gakidou⁷, confirmam que o tabagismo continua sendo um dos principais fatores de risco modificáveis e que a cessação traz benefícios rápidos e cumulativos.

O efeito combinado dessas intervenções é ainda mais expressivo: cada mudança isolada traz benefícios, mas o impacto é potencializado quando ocorrem de forma integrada e contínua, como apontam diretrizes recentes, incluindo a Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020⁸.

Embora a reversão completa da aterosclerose ainda não seja possível para todos os pacientes, a integração entre tratamento farmacológico e mudanças sustentadas no estilo de vida tem se mostrado fundamental para reduzir o risco cardiovascular e melhorar a qualidade de vida. A ciência mostra que o coração pode, sim, responder a essas estratégias combinadas — e que escolhas diárias somadas à terapia adequada fazem diferença real na saúde das artérias.


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Vívian Masutti Jonke

Médica cardiologista e arritmologista, com atuação destacada nas áreas de gestão, tecnologia e inovação em saúde.

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