
Nos últimos dias, títulos chamativos voltaram a circular, como “Paracetamol na gravidez ligado ao autismo” e “Grávidas devem evitar analgésico comum”. As mensagens têm potencial de causar insegurança em gestantes, levantando dúvidas sobre o uso do medicamento. Mas será que o alarme tem base científica real? Vamos aos fatos, sem sensacionalismo — porque decisões sobre sua saúde e a do seu filho merecem informação séria, não manchetes que viralizam. Pesquisas mais robustas e recentes indicam que não existe comprovação científica de que o uso de paracetamol durante a gravidez cause condições como autismo ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
Em setembro de 2025, a agência regulatória britânica Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA) reafirmou que não existem dados que sustentem essa associação e manteve a recomendação de que o paracetamol continue sendo o analgésico de primeira escolha, desde que administrado na menor dose eficaz e pelo menor tempo possível¹. O National Health Service (NHS) também reforça que o medicamento é seguro quando utilizado de forma adequada².
Como surgiu a polêmica sobre paracetamol e autismo
A dúvida ganhou força após uma grande análise de estudos publicada em 2021 no European Journal of Epidemiology, que avaliou 73 mil pares de mães e filhos. O trabalho apontou um aumento de 19% na incidência de sintomas de autismo em crianças expostas ao paracetamol³. O resultado repercutiu mundialmente, mas especialistas destacaram limitações metodológicas: não era possível separar os efeitos do medicamento das condições que motivaram o seu uso, como febre ou infecções, além de fatores genéticos familiares.
Em 2024, uma pesquisa analisou 2,5 milhões de crianças na Suécia e comparou irmãos da mesma família, um exposto e outro não exposto ao paracetamol durante a gestação⁴. O resultado mostrou que, quando considerados fatores genéticos e ambientais compartilhados, não houve aumento no risco de autismo ou TDAH. Esse tipo de análise, chamada de “estudo entre irmãos”, é considerado mais robusto porque controla variáveis que podem distorcer resultados em pesquisas observacionais.
Febre na gravidez também é fator de risco
Outro ponto relevante é a febre. Uma revisão publicada no periódico Molecular Autism mostrou que episódios de febre alta no primeiro trimestre estão associados a um risco discretamente maior de alterações no neurodesenvolvimento, independentemente do uso de medicamentos⁵. Isso sugere que, em muitos casos, o que parecia efeito do paracetamol pode estar relacionado à própria condição que levou ao seu uso.
Diretrizes médicas reforçam segurança do paracetamol na gravidez
Órgãos internacionais seguem unânimes em suas recomendações. Além do NHS² e da MHRA¹, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) considera o paracetamol uma das poucas opções seguras de analgésicos durante a gravidez⁶. Já o UK Teratology Information Service (UKTIS) estabelece a dose terapêutica adequada como 500 a 1000 mg, até quatro vezes ao dia, com limite máximo de 4 g por dia⁷.
O uso deve respeitar a regra básica: menor dose eficaz pelo menor tempo necessário. Pessoas com doenças hepáticas ou consumo elevado de álcool devem ter atenção redobrada, já que o paracetamol é metabolizado pelo fígado. Também é importante lembrar que diversos antigripais e medicamentos combinados contêm esse princípio ativo, aumentando o risco de ultrapassar a dose segura.
Tratar a febre é igualmente relevante porque ela também representa um risco, ainda que pequeno, para o desenvolvimento neurológico do feto⁵. A decisão não deve ser pautada pelo medo, mas pelo uso criterioso, sempre com acompanhamento médico.
O avanço da ciência mostra que, até o momento, não existe evidência robusta de que o paracetamol cause autismo ou TDAH³,⁴,⁵. O medicamento continua a ser considerado seguro quando utilizado de forma adequada, mantendo seu papel essencial no alívio da dor e no controle da febre em gestantes¹,²,⁶,⁷.
Para levar a sério…
- O paracetamol continua sendo considerado seguro na gravidez, quando usado na menor dose eficaz e pelo menor tempo necessário.
- Não há evidência de que o medicamento cause autismo ou TDAH em crianças.
- Febre alta no primeiro trimestre, por si só, pode trazer riscos ao desenvolvimento do bebê.
- Autoridades de saúde mantêm o paracetamol como analgésico de primeira escolha para gestantes.
- A recomendação é não suspender o tratamento por medo, mas seguir sempre a orientação médica.
Referências
- Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA). Paracetamol during pregnancy remains safe—no evidence it causes autism. Set/2025. Disponível em: https://www.gov.uk/government/news/mhra-confirms-taking-paracetamol-during-pregnancy-remains-safe-and-there-is-no-evidence-it-causes-autism-in-children
- National Health Service (NHS). Pregnancy, breastfeeding and fertility while taking paracetamol. Out/2022. Disponível em: https://www.nhs.uk/medicines/paracetamol-for-adults/pregnancy-breastfeeding-and-fertility-while-taking-paracetamol-for-adults/
- European Journal of Epidemiology. Prenatal and postnatal exposure to acetaminophen in relation to autism spectrum and ADHD symptoms: meta-analysis in six European cohorts. 2021;36(10):993-1004. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10654-021-00754-4
- JAMA. Acetaminophen Use During Pregnancy and Children’s Risk of Autism, ADHD, and Intellectual Disability. 2024;331(14):1205-1214. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2817406
- Molecular Autism. Fever during pregnancy as a risk factor for neurodevelopmental disorders: systematic review and meta-analysis. 2021;12:60. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8449704/
- American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Response to Consensus Statement on Paracetamol Use During Pregnancy. Set/2021. Disponível em: https://www.acog.org/news/news-articles/2021/09/response-to-consensus-statement-on-paracetamol-use-during-pregnancy
- UK Teratology Information Service (UKTIS). Therapeutic use of paracetamol in pregnancy. v2, ago/2023. Disponível em: https://uktis.org/monographs/therapeutic-use-of-paracetamol-in-pregnancy/