
No Brasil, onde mais da metade dos partos ocorre por cesariana — uma das taxas mais altas do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde¹ — ainda é comum acreditar que toda gestação de alto risco precisa terminar nesse tipo de cirurgia. Essa ideia, porém, não é sustentada pelos dados mais recentes. Estudos indicam que, quando a paciente está clinicamente estável e recebe seguimento próximo, o parto vaginal oferece benefícios importantes em relação à cesariana, como recuperação mais rápida e menor chance de complicações²³.
Pesquisas apontam taxas muito elevadas de cesariana entre mulheres em gestação de alto risco, mas sem associação direta a melhores resultados para mães e bebês⁴. Isso reforça que a cirurgia deve ser vista como recurso médico essencial, mas não como escolha automática.
Riscos e benefícios de cada via de parto
A cesariana é indicada em condições como sofrimento fetal agudo, placenta prévia central total ou descompensações graves da mãe⁵. Nessas situações, salva vidas. Quando realizada de forma rotineira em todas as gestações de alto risco, porém, pode trazer mais prejuízos do que benefícios. Pesquisas mostram que mulheres submetidas à cirurgia apresentam maior chance de hemorragia e necessidade de transfusão em comparação ao parto vaginal³.
Além disso, existe o risco de infecção após o nascimento. Um estudo mostrou que cerca de 15 em cada 100 mulheres que fizeram cesariana programada tiveram infecção, contra aproximadamente 10 em cada 100 entre as que tiveram parto vaginal⁶. Essa diferença representa um aumento relativo de 60%.
Por outro lado, a cesariana pode oferecer vantagens em determinados cenários clínicos, como a redução de alguns tipos de trauma neonatal. Esses benefícios, no entanto, aparecem apenas em situações específicas e precisam ser avaliados junto com os riscos — como retomada mais demorada, internação prolongada e impacto em gestações futuras⁷.
O que dizem as diretrizes médicas
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB), publicou diretriz que reconhece a possibilidade de parto vaginal mesmo em mulheres com cesariana anterior, desde que em hospital adequado e com equipe treinada⁵. Isso mostra que, mesmo em condições tradicionalmente vistas como delicadas, a via vaginal pode ser segura quando bem indicada.
Sociedades internacionais, como o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) e o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), reforçam a mesma mensagem: a decisão sobre a via de parto deve ser individualizada, baseada em evidências científicas e sempre discutida com a paciente⁸⁹.
O que considerar na prática
O termo “gestação de alto risco” inclui diferentes condições, como hipertensão, diabetes, obesidade, idade materna avançada, gestações múltiplas ou alterações de coagulação. Cada situação interfere de forma distinta na escolha da via de parto, mas nenhuma delas significa, obrigatoriamente, cesariana.
A melhor decisão é aquela que resulta de avaliação criteriosa, levando em conta o estado clínico da gestante, os recursos disponíveis no hospital e o diálogo transparente com a paciente. Assim, é possível garantir segurança materna e neonatal, evitar problemas desnecessários e superar o mito de que alto risco significa, automaticamente, cesariana.
Referências
- Organização Mundial da Saúde (OMS). WHO statement on caesarean section rates. World Health Organization, 2015.
https://www.who.int/publications/i/item/WHO-RHR-15.02 - Villar J, Valladares E, Wojdyla D, et al. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet. 2006;367(9525):1819-1829. doi:10.1016/S0140-6736(06)68704-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(06)68704-7 - Souza JP, Gülmezoglu AM, Lumbiganon P, et al. Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse short-term maternal outcomes: the 2004–2008 WHO Global Survey. BMC Medicine. 2010;8:71. doi:10.1186/1741-7015-8-71
https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/1741-7015-8-71 - Nakamura-Pereira M, do Carmo Leal M, Esteves-Pereira AP, et al. Use of Robson classification to assess cesarean section rate in Brazil: the role of source of payment for childbirth. Reproductive Health. 2016;13(Suppl 3):128. doi:10.1186/s12978-016-0228-7
https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12978-016-0228-7 - Ministério da Saúde; FEBRASGO; Associação Médica Brasileira. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf - Declercq ER, Sakala C, Corry MP, et al. Listening to Mothers III: Pregnancy and Birth. Childbirth Connection; 2013.
https://nationalpartnership.org/wp-content/uploads/2023/02/listening-to-mothers-iii-pregnancy-and-birth-2013.pdf - Keag OE, Norman JE, Stock SJ. Long-term risks and benefits associated with cesarean delivery for mother, baby, and subsequent pregnancies: systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine. 2018;15(1):e1002494. doi:10.1371/journal.pmed.1002494
https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1002494 - Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). Birth after previous caesarean birth (Green-top Guideline No. 45). London: RCOG; 2015.
https://www.rcog.org.uk/guidance/browse-all-guidance/green-top-guidelines/birth-after-previous-caesarean-birth-green-top-guideline-no-45/ - American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Practice Bulletin No. 205: Vaginal Birth After Cesarean Delivery. Obstetrics & Gynecology. 2019;133(2):e110-e127. doi:10.1097/AOG.0000000000003078
https://journals.lww.com/greenjournal/fulltext/2019/02000/acog_practice_bulletin_no__205__vaginal_birth.40.aspx