A Helicobacter pylori é uma bactéria que consegue sobreviver em um ambiente hostil: o estômago humano. Descoberta nos anos 1980, ela produz uma enzima que neutraliza o ácido ao redor e usa estruturas que ajudam a se fixar na parede do estômago. No Brasil, é considerada um problema de saúde pública, associada a gastrite, úlceras e até ao câncer gástrico, segundo consensos nacionais de especialistas publicados em 2018 e 2022¹. Apesar da gravidade, a infecção é cercada de mitos que confundem pacientes e muitas vezes atrasam o diagnóstico.
A bactéria do estômago é comum?
Um dos mitos mais comuns é a ideia de que todo mundo carrega a H. pylori. Isso é falso. Estudos nacionais mostram prevalências variando de 20% a 50%, dependendo da região e das condições de vida¹. A transmissão ocorre principalmente pela via fecal-oral, ligada à ingestão de água ou alimentos contaminados e ao contato direto entre pessoas em ambientes de saneamento precário¹. Mesmo sem atingir toda a população, a H. pylori continua sendo uma das infecções bacterianas mais comuns no Brasil e no mundo.
A infecção por H. pylori causa sempre gastrite?
Outro mito frequente é que a presença da bactéria leva sempre à gastrite. Também não é verdade. Uma parte expressiva das pessoas convive com a infecção sem sintomas aparentes. O problema é que a inflamação crônica causada pela H. pylori pode evoluir silenciosamente para gastrite atrófica e metaplasia intestinal. Uma análise internacional publicada no International Journal of Cancer (2015) mostrou que essa progressão aumenta o risco de úlceras e de câncer gástrico². Diretrizes clínicas brasileiras (2022) também reconhecem a associação da infecção por H. pylori ao linfoma MALT gástrico, um tipo raro de linfoma que pode afetar o estômago¹. Ou seja, a ausência de sintomas não elimina a necessidade de investigação médica.
Diagnóstico da infecção
Curas caseiras, como chás ou sucos, também não funcionam. Até hoje, não há qualquer evidência científica de que produtos naturais possam erradicar a Helicobacter pylori. O diagnóstico confiável depende de exames recomendados por recomendações clínicas: o teste respiratório da ureia e a pesquisa de antígeno em fezes são considerados de primeira linha segundo o consenso brasileiro (2022)¹. Quando há necessidade de análise direta, a endoscopia com biópsia pode confirmar a presença da bactéria e avaliar lesões gástricas³.
Tratamento da H. pylori
O tratamento também é alvo de equívocos. O protocolo recomendado pelo consenso brasileiro de gastroenterologia (2018, atualizado em 2022)¹ e pelas diretrizes do American College of Gastroenterology³⁴ prevê a combinação de antibióticos com medicamentos que reduzem a acidez gástrica, chamados inibidores de bomba de prótons. A duração geralmente varia de 10 a 14 dias. No cenário nacional, um dos principais desafios é a resistência da bactéria a antibióticos como a claritromicina, o que pode reduzir as taxas de cura. Para enfrentar esse problema, os consensos nacionais passaram a recomendar alternativas, como a terapia quádrupla com bismuto, já recomendada no Brasil e adotada em diferentes contextos clínicos¹.
Outro mito é acreditar que basta tratar uma vez para nunca mais se preocupar. Além da chance de reinfecção em locais com saneamento precário, pode haver falha no primeiro tratamento justamente por causa da resistência bacteriana. Por isso, as recomendações orientam que a erradicação seja sempre confirmada, com novo teste respiratório ou de fezes, após o fim do tratamento³.
Todos os infectados devem ser tratados?
Também circula a ideia de que só deve tratar quem apresenta sintomas. As evidências atuais — tanto no Brasil, com o consenso de 2022¹, quanto em recomendações internacionais mais recentes⁴ — apontam para tratar todos os pacientes diagnosticados, pelo risco de complicações futuras. Em situações específicas, a decisão pode ser individualizada, mas a orientação predominante é indicar o tratamento a todos os portadores confirmados.
Novas pesquisas
Pesquisas mais recentes investigam formas de complementar o tratamento. Uma análise internacional publicada em 2024 reuniu resultados de dezenas de estudos clínicos e mostrou que o uso de probióticos — micro-organismos vivos presentes em alguns alimentos e suplementos — pode reduzir efeitos adversos e melhorar a tolerância ao esquema antibiótico, embora não substitua a terapia convencional⁵. Além disso, estudos realizados na Ásia em 2024 avaliaram novos esquemas terapêuticos para casos difíceis, incluindo antibióticos alternativos e bloqueadores de ácido de nova geração, ainda em investigação clínica⁶.
A importância da informação correta
A infecção por H. pylori permanece um desafio relevante no Brasil e no mundo. Mais perigosa do que a bactéria em si é a desinformação que a cerca. Só com diagnóstico confiável, tratamento adequado e acompanhamento médico é possível reduzir o risco de complicações graves e desmentir, de forma definitiva, os mitos que ainda prejudicam a saúde gástrica da população.
Referências
- Coelho LGV, Kawakami E, Fittipaldi-Fernandez RJ et al. Vth Brazilian consensus conference on Helicobacter pylori infection. Arquivos de Gastroenterologia. 2022;59(2):155-177. https://www.scielo.br/j/ag/a/9mjKzkv4fBmq4Zb6sm7jMqq/
- Plummer M, Franceschi S, Vignat J et al. Global burden of gastric cancer attributable to Helicobacter pylori. International Journal of Cancer. 2015;136(2):487-490. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24889903/
- Chey WD, Leontiadis GI, Howden CW, Moss SF. ACG Clinical Guideline: Treatment of Helicobacter pylori Infection. American Journal of Gastroenterology. 2017;112(2):212-239. https://journals.lww.com/ajg/fulltext/2017/02000/acg_clinical_guideline__treatment_of_helicobacter.11.aspx
- Schoenfeld P. ACG guideline update: treatment of Helicobacter pylori infection. Evidence-Based GI. American College of Gastroenterology. Setembro 2024. https://gi.org/journals-publications/ebgi/schoenfeld_sep2024/
- Tanashat M, Zhao X, Li Y et al. Efficacy of probiotics regimens for Helicobacter pylori: systematic review and network meta-analysis. Heliyon. 2024;10(12):e26371. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405457724015250
- Huang TT, Chiu CH, Lee YC. Novel therapeutic regimens against Helicobacter pylori. Frontiers in Microbiology. 2024;15:1418129. https://www.frontiersin.org/journals/microbiology/articles/10.3389/fmicb.2024.1418129/full