Demência: diferenças, sintomas e formas de tratamento

A condição afeta milhões de pessoas no mundo e pode ter diferentes causas. Conheça os principais tipos, seus sintomas e por que o diagnóstico correto faz diferença no cuidado

Hoje, mais de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)¹. O World Alzheimer Report 2023 projeta que esse número pode chegar a 139 milhões até 2050, acompanhando o envelhecimento populacional². Apesar de, no senso comum, o termo ser quase sempre associado a um único quadro, existem diversas formas, cada uma com causas e tratamentos distintos. Confundir os casos pode atrasar diagnósticos e comprometer o cuidado.O termo demência, de acordo com a OMS¹, não corresponde a uma doença isolada, mas a um conjunto de sintomas marcados pela perda progressiva de funções cognitivas — memória, linguagem, raciocínio, orientação e comportamento — em intensidade suficiente para afetar a autonomia da pessoa.

Alzheimer, a forma mais comum de demência

A doença de Alzheimer, segundo critérios clínicos do National Institute on Aging e da Alzheimer’s Association (NIA-AA)³, é a forma mais comum de demência. Costuma surgir após os 65 anos, com perda de memória recente e dificuldade de aprender novas informações. Com o tempo, aparecem alterações de linguagem, comportamento e independência. O tratamento atual é apenas sintomático: no Brasil, medicamentos como donepezila, rivastigmina, galantamina e memantina estão aprovados pela Anvisa e ajudam a amenizar sintomas cognitivos e comportamentais, sem interromper a progressão³. No cenário internacional, não há fármacos adicionais aprovados para uso clínico fora os mesmos quatro já disponíveis. Terapias não farmacológicas, como estimulação cognitiva, fisioterapia e apoio psicossocial, também fazem parte do cuidado.

Demência vascular: quando a circulação afeta o cérebro

A demência vascular é considerada a segunda mais frequente, de acordo com revisão publicada no periódico médico Lancet em 2015⁴. Resulta de lesões cerebrais causadas por falhas na circulação, como múltiplos acidentes vasculares cerebrais (AVCs) ou microinfartos. Fatores como hipertensão, diabetes e colesterol elevado estão diretamente ligados ao risco⁴. O quadro é mais comum em idosos com histórico de doenças cardiovasculares. Não existem medicamentos aprovados em nenhum país para tratar especificamente essa forma de demência⁴. O cuidado se baseia no controle rigoroso desses fatores e na reabilitação cognitiva e física.

Demência com corpos de Lewy: sintomas que se confundem com o Parkinson

A demência com corpos de Lewy decorre de depósitos anormais de proteínas que comprometem a comunicação entre os neurônios⁵. Esses depósitos provocam flutuações de atenção, alucinações visuais e sintomas motores parecidos com os do Parkinson. Segundo artigo do Lancet Neurology (2017)⁵, o tratamento pode incluir medicamentos usados no Parkinson para sintomas motores e substâncias que aumentam a comunicação entre neurônios, ajudando na cognição. O uso de certos antipsicóticos deve ser criterioso, pois alguns podem piorar o quadro⁵. Esse tipo geralmente aparece a partir dos 60 anos.

Demência frontotemporal: alterações de comportamento e linguagem

A demência frontotemporal compromete principalmente regiões cerebrais ligadas ao comportamento e à linguagem, conhecidas como lobos frontal e temporal. Segundo revisão publicada no Lancet em 2015⁶, surge mais cedo do que outros tipos, entre os 45 e 65 anos. Os sintomas incluem perda de inibição — como atitudes inadequadas em público —, apatia intensa e mudanças significativas de personalidade, que podem afetar gravemente as relações pessoais e a autonomia. Ainda não há terapias comprovadamente eficazes⁶. O manejo envolve suporte multidisciplinar, com fonoaudiologia, psicoterapia, terapias ocupacionais e, em alguns casos, uso criterioso de antidepressivos ou antipsicóticos.

Demência mista: combinações que complicam o diagnóstico

Entre os idosos mais velhos, é comum a demência mista, quando duas ou mais causas se sobrepõem, como Alzheimer associado a alterações vasculares. Estudos neuropatológicos — análises feitas em cérebros após a morte de pacientes — indicam que até metade das pessoas com mais de 80 anos pode apresentar essa sobreposição⁷. Esses trabalhos, conduzidos em países europeus e nos Estados Unidos, reforçam que o envelhecimento avançado aumenta a chance de múltiplas causas. O tratamento combina estratégias já descritas para Alzheimer e doença vascular, adaptadas a cada caso.

Como é feito o diagnóstico de demência

O diagnóstico é clínico e multidimensional, seguindo protocolos internacionais. Segundo recomendações do Canadian Consensus Conference on the Diagnosis and Treatment of Dementia (2020)⁸, inclui entrevista clínica detalhada, conversa com familiares, testes cognitivos — como o Mini Exame do Estado Mental, aplicado rotineiramente no Brasil, e o MoCA, usado em alguns centros especializados — e avaliação funcional. Esses testes reúnem perguntas simples de memória, cálculo, orientação e linguagem, feitas em consultório para medir o grau de comprometimento. Além disso, exames laboratoriais — função da tireoide, vitamina B12, hemograma e função renal/hepática — são fundamentais para descartar causas reversíveis⁸.

Quando há dúvida, exames complementares podem ajudar. A análise do líquor — fluido que envolve cérebro e medula — pode mostrar alterações típicas do Alzheimer. Já a tomografia por emissão de pósitrons (PET) permite visualizar depósitos dessas proteínas ou áreas cerebrais com metabolismo reduzido. De acordo com diretrizes internacionais³ ⁹, esses exames são indicados apenas em casos específicos ou em pesquisas clínicas.

Novos avanços no tratamento da demência

Pesquisas recentes com medicamentos experimentais chamados anticorpos monoclonais — fármacos que atuam contra proteínas ligadas ao Alzheimer — têm atraído atenção internacional. O lecanemabe foi aprovado para uso restrito nos Estados Unidos e no Japão, e o donanemabe recebeu aprovação nos EUA em 2024; no Brasil, ainda não estão disponíveis. Ensaios clínicos publicados no New England Journal of Medicine em 2023¹⁰ mostram que esses medicamentos podem retardar de forma modesta a progressão em fases iniciais, desde que confirmada a presença das proteínas associadas por biomarcadores. O tratamento requer monitoramento por exames de imagem, pois pode causar efeitos adversos, como inchaço cerebral em alguns pacientes.

No caso das demais demências, as pesquisas estão em estágio inicial. Estudos experimentais nos Estados Unidos e na Europa testam terapias contra proteínas específicas, como a alfa-sinucleína (nos corpos de Lewy) e a proteína tau (nas formas frontotemporais)⁶. Ainda não há cura, mas especialistas avaliam que os próximos anos devem trazer diagnósticos mais precoces, tratamentos personalizados e mais apoio às famílias, transformando o cuidado com as demências.

Quando não é demência: condições que podem confundir

Alguns quadros podem imitar sintomas de demência, mas têm outras origens e podem ser reversíveis. A depressão em idosos, por exemplo, pode provocar lentificação do pensamento, falhas de memória e dificuldade de concentração, sendo conhecida como “pseudodemência depressiva”¹¹. Deficiências nutricionais, como a de vitamina B12, e distúrbios da tireoide também podem causar perdas cognitivas temporárias⁸. Outro diagnóstico relevante é o delirium — estado de confusão mental aguda, geralmente provocado por infecções ou uso de medicamentos — que se diferencia por ter início súbito e costuma ser reversível¹².

Ainda não existe cura para nenhuma forma de demência. Mas a ciência avança em direção a diagnósticos mais precoces, terapias específicas e políticas públicas que deem suporte às famílias. Com o envelhecimento acelerado da população, o tema deixou de ser apenas médico: tornou-se uma prioridade global de saúde.


Referências (URLs diretas e testadas)

  1. World Health Organization (WHO). Dementia – Fact sheet. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dementia.
  2. Alzheimer’s Disease International (ADI). World Alzheimer Report 2023. Disponível em: https://www.alzint.org/resource/world-alzheimer-report-2023/.
  3. McKhann GM, Knopman DS, Chertkow H, et al. The diagnosis of dementia due to Alzheimer’s disease: recommendations from the National Institute on Aging–Alzheimer’s Association workgroups on diagnostic guidelines for Alzheimer’s disease. Alzheimers Dement. 2011;7(3):263-269. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC3312024/.
  4. O’Brien JT, Thomas A. Vascular dementia. Lancet. 2015;386(10004):1698-1706. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(15)00463-8/fulltext.
  5. McKeith IG, Boeve BF, Dickson DW, et al. Diagnosis and management of dementia with Lewy bodies. Lancet Neurol. 2017;16(4):390-398. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5496518/.
  6. Bang J, Spina S, Miller BL. Frontotemporal dementia. Lancet. 2015;386(10004):1672-1682. Disponível em: https://www.thelancet.com/article/S0140-6736(15)00461-4/fulltext.
  7. Rahimi J, Kovacs GG. Prevalence of mixed pathologies in the aging brain. Alzheimers Res Ther. 2014;6:82. Disponível em: https://alzres.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13195-014-0082-1.
  8. Ismail Z, Black SE, Camicioli R, et al. Recommendations of the 5th Canadian Consensus Conference on the diagnosis and treatment of dementia. Alzheimers Dement. 2020;16(8):1182-1195. Disponível em: https://alz-journals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/alz.12105.
  9. Johnson KA, Minoshima S, Bohnen NI, et al. Appropriate use criteria for amyloid PET: a report of the Amyloid Imaging Task Force. Alzheimers Dement. 2013;9(1):e1-e16. Disponível em: https://jnm.snmjournals.org/content/54/3/476.
  10. van Dyck CH, Swanson CJ, Aisen P, et al. Lecanemab in early Alzheimer’s disease. N Engl J Med. 2023;388:9-21. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2212948.
  11. Alexopoulos GS. Depression in the elderly. Lancet. 2005;365(9475):1961-1970. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(05)66665-2/abstract.
  12. Inouye SK, Westendorp RGJ, Saczynski JS. Delirium in elderly people. Lancet. 2014;383(9920):911-922. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4120864/.

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Deborah Lima

Jornalista do Saúde a Sério

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