
O câncer de mama é o tipo mais frequente entre mulheres no Brasil e no mundo. Para o triênio 2023-2025, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima 73.610 novos casos por ano¹. Mesmo com a mobilização do Outubro Rosa, informações equivocadas seguem circulando e podem atrasar tanto a prevenção quanto o diagnóstico. Em meio a esse cenário, separar ciência de boatos, com base em diretrizes médicas e estudos de alta qualidade, é essencial para ampliar as chances de detectar a doença ainda em estágios iniciais e garantir melhores resultados no tratamento.
A mamografia continua sendo o principal exame de rastreamento do câncer de mama. Diferente do autoexame, que pode ajudar a perceber alterações palpáveis, o exame de imagem permite identificar nódulos milimétricos e microcalcificações invisíveis ao toque. Estudos populacionais demonstram que a realização periódica está associada à redução da mortalidade². No Brasil, a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que o rastreamento comece aos 40 anos³, posição compartilhada por entidades médicas internacionais. Embora o INCA ainda priorize a faixa de 50 a 69 anos, há consenso entre especialistas de que antecipar o exame contribui para diagnósticos mais precoces e maior impacto na sobrevida.
A influência da herança genética é limitada. Alterações em genes como BRCA1 e BRCA2 aumentam o risco, mas respondem por apenas 5% a 10% dos diagnósticos⁴. A maior parte dos casos surge em mulheres sem histórico familiar. Nesse contexto, os fatores de estilo de vida têm peso importante: excesso de peso após a menopausa, consumo frequente de álcool e sedentarismo estão associados a maior risco⁵. Em contrapartida, prática regular de atividade física, alimentação equilibrada e manutenção do peso saudável ajudam a reduzir a probabilidade de desenvolver a doença. A amamentação também exerce efeito protetor, e pesquisas recentes apontam que mulheres que amamentam por mais tempo apresentam risco menor⁶.
Terapia hormonal da menopausa e riscos associados
A terapia hormonal usada no climatério é um recurso importante para aliviar sintomas como ondas de calor, insônia e ressecamento vaginal, que podem comprometer a qualidade de vida. Evidências indicam que o uso prolongado da combinação de estrogênio e progesterona pode estar ligado a um discreto aumento do risco de câncer de mama, especialmente quando ultrapassa cinco anos⁷. Isso não significa que toda mulher em tratamento desenvolverá a doença. O risco absoluto segue baixo na maioria dos casos e deve ser avaliado individualmente. Em muitas situações, os benefícios superam os riscos, desde que o acompanhamento médico seja contínuo e a indicação bem estabelecida.
Principais mitos sobre o câncer de mama
Alguns mitos persistem e confundem pacientes. Um dos mais comuns é a ideia de que traumas ou pancadas nos seios poderiam causar câncer de mama. A ciência mostra que não há relação de causa e efeito: o trauma pode apenas revelar um nódulo já existente⁸. Outra crença bastante difundida é a de que sutiãs apertados ou com aro aumentariam o risco da doença. Pesquisas não encontraram associação entre o uso da peça e o surgimento de câncer⁹.
A própria mamografia também costuma ser alvo de desinformação. A hipótese de que o exame poderia espalhar células cancerígenas ou provocar metástases não tem respaldo científico. A radiação utilizada é de baixa dose, dentro dos limites de segurança, e não existe mecanismo biológico que sustente essa ideia¹⁰. Outro equívoco frequente é o de que o açúcar “alimenta” o câncer. O que se sabe, de fato, é que o consumo excessivo de bebidas e alimentos ricos em açúcares adicionados favorece o ganho de peso e altera o metabolismo, aumentando o risco por meio do excesso de gordura corporal¹¹.
Saúde mental, aborto e implantes de silicone
Questões emocionais também geram interpretações equivocadas. Estresse, tristeza ou pensamentos negativos não causam câncer de mama. Estudos reforçam que essas condições podem influenciar a forma como a paciente enfrenta a doença, mas não estão ligadas ao aparecimento do tumor¹².
Outro mito já descartado é o de que aborto induzido aumentaria o risco. Revisões de larga escala confirmaram que não existe associação entre a interrupção da gravidez e a doença¹³.
Quanto aos implantes, a confusão é frequente. As próteses de silicone não causam câncer de mama¹⁴. Pesquisas comparativas mostram que mulheres com e sem implantes apresentam taxas semelhantes de incidência. O que pode acontecer é que o implante dificulte a visualização completa do tecido mamário nos exames, exigindo ajustes técnicos na mamografia ou complementação com ultrassom e ressonância. Esse aspecto não aumenta o risco, mas reforça a importância de exames bem conduzidos para garantir precisão no diagnóstico.
Desigualdades de acesso, prognóstico e avanços no tratamento
O cenário brasileiro evidencia desigualdades significativas. Em regiões mais pobres ou afastadas de grandes centros urbanos, muitas mulheres não conseguem realizar a mamografia no intervalo recomendado, o que compromete a detecção precoce e amplia disparidades regionais¹⁵.
Também é importante destacar que o câncer de mama não é uma única doença. Existem subtipos distintos — como os tumores dependentes de hormônios, os que apresentam a proteína HER2 em excesso e os chamados triplo negativos —, cada um com prognóstico e tratamento específicos. Quando diagnosticado em estágio inicial e tratado em tempo adequado, a taxa de sobrevida pode ultrapassar 90%¹⁶. Esse índice, no entanto, depende diretamente do acesso a rastreamento e terapias oportunas, o que explica diferenças marcantes entre países e regiões. Embora raro, o câncer de mama também pode afetar homens, que respondem por cerca de 1% dos casos¹⁷.
Nos últimos anos, avanços na oncologia abriram novas perspectivas. Terapias-alvo, como os medicamentos anti-HER2, e a imunoterapia em tumores agressivos, como o triplo negativo, ampliaram as opções disponíveis e melhoraram o prognóstico em grupos que antes tinham alternativas muito restritas¹⁸.
No Outubro Rosa, a mensagem central é clara: enfrentar a desinformação com ciência. Informação confiável e acessível aumenta as chances de diagnóstico precoce e fortalece o impacto do tratamento adequado.
Para levar a sério
- O câncer de mama é o mais comum entre mulheres no Brasil, com mais de 73 mil casos novos por ano.
- A mamografia é o exame mais eficaz para detectar precocemente a doença; especialistas recomendam início aos 40 anos.
- Apenas 5% a 10% dos casos têm origem hereditária; a maioria surge sem histórico familiar.
- Estilo de vida influencia: excesso de peso, álcool e sedentarismo aumentam o risco, enquanto atividade física, alimentação equilibrada e amamentação oferecem proteção.
- Terapia hormonal da menopausa pode elevar discretamente o risco quando usada por longos períodos, mas deve ser avaliada caso a caso.
- Mitos comuns — como trauma nos seios, uso de sutiã, mamografia causar metástase ou açúcar “alimentar” o câncer — não têm respaldo científico.
- Estresse e aborto induzido não estão ligados ao desenvolvimento da doença.
- Implantes de silicone não aumentam o risco, apenas exigem atenção diagnóstica nos exames de imagem.
- Desigualdades regionais dificultam o acesso ao rastreamento e reduzem as chances de diagnóstico precoce.
- Quando descoberto cedo e tratado adequadamente, o câncer de mama pode ter taxa de sobrevida superior a 90%.
Referências
- Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2023: Incidência de Câncer no Brasil. https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2023-incidencia-de-cancer-no-brasil
- Independent UK Panel on Breast Cancer Screening. The benefits and harms of breast cancer screening: an independent review. The Lancet. 2012;380(9855):1778–1786. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(12)61611-0/fulltext
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