
O diabetes tipo 2 já atinge mais de 537 milhões de pessoas no mundo. De acordo com o Atlas de Diabetes da Federação Internacional de Diabetes (IDF 2024) e a Organização Mundial da Saúde (OMS 2024), esse número deve ultrapassar 780 milhões até 2045. No Brasil, um em cada dez adultos convive com a doença — e boa parte ainda sem diagnóstico. Antes que o problema apareça nos exames, o corpo passa por um longo período silencioso de alterações metabólicas que podem ser revertidas se descobertas a tempo. Detectar esse desequilíbrio cedo é essencial para evitar a evolução para o diabetes tipo 2. É nesse estágio inicial que surge a resistência à insulina, considerada o primeiro sinal de alerta do organismo¹.
Nesse quadro, as células do corpo passam a responder com menos eficiência à insulina, hormônio que regula o nível de açúcar no sangue. O pâncreas tenta compensar, produzindo cada vez mais insulina para manter a glicose estável. Esse esforço, que pode durar anos, antecede o aumento persistente da glicose e marca o início da resistência à insulina. Com o tempo, o corpo deixa de conseguir equilibrar esse processo, e o diabetes tipo 2 se manifesta.
Segundo a American Diabetes Association², o tipo 2 é a forma mais comum da doença e costuma se desenvolver de forma lenta, geralmente associada ao excesso de peso, à alimentação inadequada e à falta de atividade física. Diferente do diabetes tipo 1, que aparece ainda na infância e tem origem autoimune, o tipo 2 pode se instalar sem sintomas por anos, enquanto o metabolismo já funciona de maneira desajustada.
Alterações que surgem anos antes
Estudos de longo acompanhamento realizados no Reino Unido mostram que a redução da sensibilidade à insulina pode começar até dez anos antes do diagnóstico³. Nesse período, o corpo dá sinais sutis: acúmulo de gordura abdominal, cansaço, fome frequente e dificuldade para emagrecer. Sintomas que muitas vezes passam despercebidos, mas podem ser identificados em consultas de rotina e exames simples.
Pesquisas norte-americanas publicadas em 2018 indicam que a resistência à insulina não afeta apenas o nível de açúcar no sangue, mas também está ligada a um estado de inflamação crônica de baixo grau⁴ — uma resposta contínua do sistema imunológico que altera o metabolismo das gorduras e aumenta o risco cardiovascular e hepático. Isso ajuda a entender por que pessoas com glicemia normal já podem apresentar um metabolismo desequilibrado.
Gordura abdominal: um marcador importante
A forma como o tecido adiposo (gordura corporal) se distribui pelo corpo também influencia nesse risco. Um estudo chinês de 2024, publicado na Scientific Reports, observou que pessoas com maior acúmulo de gordura abdominal apresentavam mais resistência à insulina, mesmo sem diagnóstico de diabetes. Já a gordura subcutânea, mais superficial, apresentou efeito protetor discreto⁵. Em termos simples, a gordura visceral, que envolve os órgãos internos, é mais inflamatória e perigosa para o metabolismo. Por isso, a circunferência da cintura é um marcador clínico importante: acima de 94 cm para homens e 80 cm para mulheres já indica risco elevado, segundo a IDF 2024⁶.
Quando a resistência à insulina se instala, o pâncreas precisa trabalhar em excesso para compensar. Esse ciclo de esforço contínuo gera sobrecarga celular e mantém o corpo em estado inflamatório constante. Com o tempo, aumentam as chances de doenças cardiovasculares, fígado gorduroso, síndrome dos ovários policísticos e até alterações cognitivas precoces⁷.
É possível reverter o quadro
A boa notícia é que a resistência à insulina pode ser revertida. Um estudo brasileiro de 2025 mostrou que apenas três meses de prática regular de atividade física já foram suficientes para reduzir a glicose e melhorar a sensibilidade à insulina em pessoas com pré-diabetes⁸. O benefício não depende necessariamente de grandes perdas de peso: alimentação equilibrada, sono adequado e controle do estresse também ajudam a restabelecer o equilíbrio metabólico.
Uma dieta rica em vegetais, fibras, grãos integrais e alimentos naturais tem impacto direto na melhora da resposta do corpo à insulina⁹.
Pesquisas realizadas na Ásia e na Europa indicam que a reversão pode acontecer mesmo sem emagrecimento expressivo¹⁰. Isso ocorre quando há melhora na qualidade do tecido adiposo — com redução da gordura visceral, que se acumula no abdômen e entre os órgãos, e aumento da gordura subcutânea, metabolicamente mais estável¹¹.
Em outras palavras, resistência à insulina não é destino. Identificar cedo e agir a tempo reduz significativamente o risco de progressão para o diabetes tipo 2.
Muito antes do diagnóstico, o organismo já envia sinais de desequilíbrio metabólico. Agir cedo — antes que a glicose se eleve — é a maneira mais eficaz de prevenir o diabetes tipo 2. Com exames regulares e acompanhamento médico, é possível interromper o ciclo da resistência à insulina e evitar que o problema evolua para uma doença crônica.
Para levar a Sério
- A resistência à insulina pode começar até dez anos antes do diagnóstico de diabetes tipo 2.
- Mesmo com exames normais, o corpo pode já estar em desequilíbrio metabólico.
- Gordura abdominal é um dos principais marcadores de risco.
- Atividade física, alimentação saudável e sono adequado ajudam a reverter o quadro.
- Detectar e agir cedo pode impedir que o diabetes se desenvolva.
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Referências
- Reaven GM. Insulin resistance and human disease: a short history. J Basic Clin Physiol Pharmacol. 2021;32(3):289–296.
- International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas, 11th edition. Brussels: IDF; 2024.
- American Diabetes Association. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2023;46(Suppl 1):S19–S40.
- Tabák AG et al. Trajectory of glycaemia before diagnosis of type 2 diabetes: the Whitehall II study. Lancet. 2009;373(9682):2215–2221.
- Liu Y et al. Body fat distribution and risk of insulin resistance in adults without diabetes. Scientific Reports. 2024.
- International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas, 11th edition. Brussels: IDF; 2024.
- Arjmand B et al. Metabolic signatures of insulin resistance in non-diabetic adults. BMC Endocrine Disorders. 2022.
- Marques F et al. Impacto da atividade física na regulação da glicemia e da resistência insulínica em pacientes pré-diabéticos. Revista de Ciências da Saúde USP. 2025.
- Hu T et al. Dietary patterns and insulin resistance: a systematic review. Nutrients. 2023;15(2):374.
- Choi J et al. Longitudinal changes in insulin sensitivity and fat distribution in non-obese adults. Diabetologia. 2023;66(4):811–823.
- Tsai J et al. Development and validation of an insulin resistance model using machine learning. Diabetes Research and Clinical Practice. 2023.