Insônia crônica afeta 3 em cada 10 adultos: como vencer sem remédios

Terapia cognitivo-comportamental tem 70% de eficácia e resultados duradouros, superando medicamentos no tratamento da dificuldade para dormir

Tempo de Leitura: 7 minutos

Sabe aquela noite em que você está exausto, mas o sono simplesmente não vem? Você se vira de um lado para o outro, a mente a mil por hora, e cada olhada no relógio aumenta a ansiedade. A insônia crônica afeta cerca de 30% da população adulta mundial, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.¹ No Brasil, levantamento da Associação Brasileira do Sono aponta prevalência entre 10% e 15%.² Ela é caracterizada por dificuldade persistente para dormir pelo menos 3 vezes por semana durante 3 meses, conforme critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).³

Esse distúrbio do sono vai além de noites mal dormidas ocasionais. O que define essa condição médica é seu impacto no dia seguinte: fadiga que não passa, irritação à flor da pele, dificuldade de concentração e aquela sensação de que o cérebro está funcionando em câmera lenta. Em casos mais graves, está associada a maior risco de transtornos de humor, doenças cardiovasculares e comprometimento do sistema imunológico, conforme demonstram estudos epidemiológicos publicados em periódicos internacionais.⁴ Mas a boa notícia é que existe tratamento eficaz sem medicamentos, e a solução não está em um frasco de remédios.

Terapia cognitivo-comportamental: o tratamento mais eficaz para insônia crônica

Pode parecer complicado, mas a Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I) é, hoje, o tratamento mais eficaz e recomendado pelas maiores autoridades em saúde do mundo, como o American College of Physicians.⁵ Pense nela como um personal trainer para o seu cérebro, que vai te ajudar a reaprender a dormir bem.

A TCC-I é tipicamente realizada em 4 a 8 sessões mensais com um profissional especializado, cada uma com duração de 30 a 60 minutos. A maioria das pessoas começa a perceber melhora nas primeiras semanas. Estudos mostram que 70% a 80% dos pacientes que completam o tratamento experimentam melhora significativa, com redução média de 50% no tempo para adormecer e aumento substancial na qualidade do sono.⁶ Além disso, versões digitais da TCC-I, oferecidas por aplicativos e plataformas online, também demonstram eficácia em estudos científicos.⁷

Em vez de simplesmente apagar seu cérebro com um remédio, a TCC-I ataca a raiz do problema com uma combinação de técnicas inteligentes. O controle de estímulos ajuda a quebrar associações negativas: sabe quando você usa a cama para trabalhar, comer e assistir séries? Essa abordagem te ajuda a transformar a cama de volta em um lugar sagrado, feito para duas coisas: dormir e ter intimidade. O cérebro começa a entender que, ao deitar ali, é hora de desligar.

Outra estratégia importante é a restrição do tempo na cama. Parece loucura, mas funciona. Se você passa 8 horas na cama mas só dorme 5, temporariamente ela vai restringir seu tempo na cama para mais perto das 5 horas. Isso cria uma leve privação que faz você adormecer mais rápido e dormir com maior profundidade. Aos poucos, o tempo na cama vai aumentando, mas agora com descanso muito mais reparador.

A terapia cognitiva trabalha nos pensamentos que te sabotam. Sabe aquela voz que diz “se eu não dormir agora, amanhã meu dia vai ser um desastre”? A TCC-I te ensina a identificar, questionar e substituir esses pensamentos catastróficos por outros mais realistas e tranquilos. Por fim, a famosa “higiene do sono” também entra aqui, junto com técnicas de relaxamento como meditação e respiração profunda para acalmar o corpo e a mente.

Um diferencial importante da TCC-I é a durabilidade dos resultados. Diferente dos medicamentos hipnóticos, especialmente os benzodiazepínicos, que podem perder eficácia com o tempo e gerar dependência quando usados cronicamente, a TCC-I te dá as ferramentas para ser o mestre do seu próprio sono.⁶

Como melhorar o sono: estratégias práticas baseadas em ciência

Embora a TCC-I completa exija acompanhamento profissional, vários de seus componentes podem ser implementados de forma independente como primeiros passos no combate à insônia. As estratégias a seguir, baseadas em evidências científicas, podem ser iniciadas imediatamente.

Seu quarto precisa ser um convite ao descanso de qualidade. Isso significa escuridão total (use cortinas blackout, se precisar), silêncio (protetores de ouvido podem ser seus melhores amigos) e uma temperatura agradável, mais para o frio — entre 18 e 21 graus Celsius, faixa ideal segundo pesquisas sobre termorregulação e sono.⁸

A escuridão completa é importante porque mesmo pequenas quantidades de luz podem interferir na produção de melatonina, o hormônio que sinaliza ao organismo que é noite.

Tente acordar todos os dias no mesmo horário. Sim, até no fim de semana. Isso ajuda a ancorar o seu relógio biológico e a sentir sono na hora certa à noite. A tentação de compensar o sono perdido dormindo até tarde é compreensível, mas geralmente atrapalha mais do que ajuda, pois desestabiliza o ritmo que você construiu durante a semana.

Jantares muito pesados e gordurosos podem dificultar o sono. Prefira refeições mais leves à noite. Alimentos como banana, aveia, nozes e cerejas são ricos em substâncias que ajudam o corpo a produzir melatonina, ainda que o efeito individual possa variar.

Se a sua cabeça parece agitada demais na hora de dormir, com pensamentos acelerados e preocupações surgindo um atrás do outro, experimente tirar os pensamentos dela e colocar no papel. Escrever sobre o que te preocupa por 5 a 10 minutos no início da noite pode fazer uma diferença enorme.⁹ Meditação e respiração profunda também são ferramentas poderosas. Um estudo randomizado publicado em uma importante revista médica internacional (JAMA Internal Medicine) demonstrou que um programa de meditação mindfulness — uma técnica de atenção plena ao momento presente — de 8 semanas melhorou significativamente a qualidade do sono e reduziu sintomas de insônia, fadiga e depressão em adultos mais velhos com distúrbios de sono.¹⁰

Um banho morno, de 1 a 2 horas antes de deitar, não é frescura. Uma ampla revisão científica que analisou mais de 5.000 estudos, publicada na Sleep Medicine Reviews, concluiu que banhos aquecidos tomados nesse horário melhoram tanto a qualidade quanto a latência do sono.¹¹ Ao sair do banho, a leve queda na temperatura do corpo é mais um sinal para o cérebro de que a hora do sono está chegando.

Quando procurar um médico para insônia: sinais de alerta

Se você já tentou de tudo e a insônia continua firme e forte há mais de 3 meses, talvez seja a hora de procurar ajuda profissional. Um médico ou especialista em sono pode investigar se não há outras causas por trás da sua insônia. Apneia do sono, caracterizada por ronco alto e pausas na respiração, é uma condição frequente mas subdiagnosticada que fragmenta o sono e causa sonolência diurna. Transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático frequentemente cursam com esse problema. A síndrome das pernas inquietas também interfere significativamente no início do sono.

Certos medicamentos contribuem frequentemente para o problema, incluindo alguns anti-hipertensivos, broncodilatadores, corticosteroides e antidepressivos. Condições médicas como refluxo gastroesofágico, dor crônica, hipertireoidismo e insuficiência cardíaca também frequentemente se manifestam com dificuldade para dormir. Nesses casos, o tratamento da condição de base é essencial.

Embora a TCC-I seja o tratamento de primeira linha, medicamentos podem ser necessários em situações específicas: insônia grave que causa sofrimento intenso, casos associados a transtornos psiquiátricos agudos, ou quando o acesso à TCC-I não é viável. Nesses cenários, hipnóticos devem ser prescritos pelo menor tempo possível e, idealmente, combinados com abordagens comportamentais para permitir descontinuação gradual.¹²

Mitos e verdades sobre o sono: o que realmente funciona

Apesar dos avanços científicos no entendimento do sono, muitas crenças populares persistem e podem até atrapalhar quem busca melhorar suas noites. A seguir, o que a ciência realmente diz sobre alguns dos hábitos mais comuns relacionados ao sono.

“Um vinhozinho ajuda a relaxar e dormir” Embora o álcool tenha efeito sedativo inicial, ele prejudica significativamente a qualidade do sono. O álcool fragmenta o sono e compromete a arquitetura das fases do sono, principalmente o sono REM, que é crucial para a memória e o bem-estar emocional, conforme demonstram diversos estudos sobre os efeitos do álcool no ciclo do sono.¹³

“Malhar à noite atrapalha o sono” Depende da intensidade. Exercícios muito vigorosos próximos ao horário de dormir podem dificultar o sono em algumas pessoas. Mas atividades mais leves, como caminhada, yoga ou alongamento, geralmente ajudam a sinalizar ao corpo que é hora de desacelerar, segundo pesquisas sobre exercício físico e qualidade do sono.¹⁴

“Aquele cafezinho das 16h não faz mal” A cafeína tem meia-vida longa no organismo, podendo permanecer ativa por até 6 horas. Um estudo publicado no Journal of Clinical Sleep Medicine demonstrou que o consumo de cafeína até 6 horas antes de dormir reduziu significativamente o tempo total de sono e aumentou a dificuldade para adormecer.¹⁵

“Usar o celular na cama não atrapalha” A luz azul emitida pelas telas inibe a produção de melatonina, o hormônio que sinaliza que está na hora de dormir. Pesquisadores da Harvard Medical School demonstraram que a leitura em dispositivos eletrônicos antes de dormir retarda o início do sono, suprime os níveis de melatonina em mais de 50% e compromete o estado de alerta na manhã seguinte.¹⁶

Dormir bem não é um luxo, é um pilar fundamental da saúde. A ciência mostra que a insônia crônica é tratável, e as abordagens mais eficazes não envolvem dependência medicamentosa. A reeducação dos nossos hábitos e, principalmente, dos nossos pensamentos sobre o sono, é o caminho mais seguro e duradouro para noites verdadeiramente tranquilas. Sua jornada para noites melhores não precisa ser um sonho distante — ela pode começar hoje, com pequenas mudanças consistentes que seu corpo e sua mente merecem.

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  2. Associação Brasileira do Sono. Consenso Brasileiro de Insônia. São Paulo: ABS; 2013.
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Eduardo A. Amaro

Psicólogo especializado em neurociência e comportamento humano pela PUC-SP, com atuação dedicada à promoção da saúde mental no contexto hospitalar e materno-infantil

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