
Imagine uma dor tão forte nas costas ou no abdômen que impede qualquer movimento. Você tenta, em vão, achar uma posição que traga alívio. Essa é a experiência de quem sofre com pedras nos rins — um problema que tem se tornado cada vez mais comum.
As Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia, publicadas em 2025, mostram que a nefrolitíase já afeta entre 10% e 15% da população brasileira.¹ Homens têm o dobro de chance de desenvolver cálculos em relação às mulheres, e o pico de incidência ocorre após os 30 anos — embora possa surgir em qualquer idade.²
O clima brasileiro, majoritariamente tropical e subtropical, favorece o aumento dos casos. Um estudo nacional que avaliou internações entre 2010 e 2015 encontrou forte relação entre temperaturas elevadas e o número de hospitalizações por nefrolitíase.³ Regiões mais quentes registraram índices maiores, e a incidência cresce no verão.³
O motivo é simples: o calor provoca perda de água pela transpiração, reduz o volume urinário e concentra substâncias como cálcio e ácido úrico — combinação que facilita a formação das pedras.⁴
O dado mais preocupante é que cerca de 30% das pessoas com cálculos recorrentes podem evoluir para insuficiência renal crônica se o problema não for tratado corretamente. Episódios repetidos de obstrução e infecção danificam o tecido renal, e, nos casos mais graves, o órgão pode perder a função, levando à necessidade de diálise ou transplante.⁵
A boa notícia é que grande parte dos casos pode ser evitada com hábitos simples e cuidados diários.
Como as pedras se formam
Os rins filtram o sangue e eliminam o que o corpo não precisa por meio da urina. Quando o volume urinário é baixo — por falta de líquidos ou excesso de determinadas substâncias —, pequenos cristais se formam e se unem, dando origem aos cálculos.²
Essas formações variam em composição. A maioria é feita de oxalato de cálcio (70% a 75% dos casos), seguida pelos cálculos de ácido úrico (8% a 10%).⁶ O oxalato vem de alimentos como espinafre, chocolate, nozes e chá preto. Já os de ácido úrico são mais comuns quando a urina está muito ácida, situação associada ao consumo elevado de carne vermelha, obesidade e diabetes.
Há ainda as pedras de estruvita, ligadas a infecções urinárias de repetição, que crescem rapidamente,⁷ e as raras pedras de cistina, provocadas por um distúrbio genético.⁸
O que aumenta o risco
As pedras nos rins raramente têm uma única causa. O principal fator é a baixa hidratação: quando a pessoa bebe pouca água, a urina fica concentrada e os sais se cristalizam.⁹
A alimentação também tem grande influência. O excesso de sal aumenta a eliminação de cálcio na urina,¹⁰ enquanto dietas muito pobres em cálcio podem ter o efeito contrário, favorecendo a absorção de oxalato pelos rins.¹¹ O consumo frequente de carne vermelha também contribui, pois torna a urina mais ácida.¹⁰
Doenças como obesidade, diabetes, hipertensão e gota elevam as chances de formação dos cálculos.⁶ Alterações hormonais nas glândulas que controlam o cálcio — como o hiperparatireoidismo — também aumentam o risco.¹² E, quando há histórico familiar, a predisposição é ainda maior.¹³
Como identificar o problema
Cálculos muito pequenos podem passar despercebidos e ser eliminados naturalmente. O problema aparece quando aumentam de tamanho ou bloqueiam o canal urinário.¹⁴
O sintoma clássico é a cólica renal: dor súbita e intensa que começa nas costas e pode irradiar para o abdômen e a virilha.¹⁴ Durante a crise, é difícil ficar parado. Outros sintomas incluem náuseas, vômitos e sangue na urina — visível em até 85% dos casos, mesmo que apenas ao microscópio.¹⁴ Pode haver também vontade frequente de urinar.
Febre junto com dor é sinal de alerta: pode indicar uma infecção — quadro grave que exige atendimento médico imediato.¹⁵
O que fazer durante uma crise
Se os sintomas forem leves — sem febre, com urina normal e dor suportável —, algumas medidas podem ajudar. Beba água em pequenos goles, mesmo que sinta náusea. Use calor local na região lombar para aliviar o desconforto e, se houver orientação prévia, tome analgésicos simples.
Esses cuidados, porém, não substituem a avaliação médica. Se a dor persistir, houver febre, calafrios, vômitos fortes ou dificuldade para urinar, procure atendimento urgente.¹⁵
Diagnóstico
A investigação começa com a conversa sobre os sintomas e o exame físico, incluindo palpação abdominal e percussão lombar.¹⁶ Depois, são solicitados exames complementares.
O exame de urina tipo I é o primeiro passo e pode mostrar sangue e cristais.¹⁶ As diretrizes brasileiras o consideram obrigatório na avaliação inicial, junto com a checagem da função renal.¹
A tomografia sem contraste é o método mais sensível para identificar cálculos e obstruções. O ultrassom é uma alternativa segura, principalmente para gestantes.
Tratamento
Cálculos menores que 5 milímetros costumam sair sozinhos — cerca de 90% deles são eliminados pela urina entre duas e seis semanas.¹⁷ O tratamento envolve controle da dor, boa hidratação e uso de medicamentos que relaxam o canal urinário.¹⁶
A tansulosina é frequentemente usada para facilitar a eliminação espontânea.¹⁸ Anti-inflamatórios intravenosos ajudam a aliviar a dor rapidamente.¹ Durante o tratamento, recomenda-se coar a urina para capturar o cálculo, o que permite analisar sua composição e orientar a prevenção.¹⁶
Procedimentos para pedras maiores
Quando as pedras são grandes ou bloqueiam o fluxo urinário, o médico pode indicar procedimentos específicos. A litotripsia extracorpórea utiliza ondas de choque para fragmentar o cálculo e é eficaz para pedras de até 2 centímetros.¹⁹ Outra opção é a ureteroscopia, em que um aparelho fino é inserido pela uretra até o local da pedra, quebrando-a com laser.²⁰ Já a nefrolitotomia percutânea é feita por um pequeno orifício nas costas, por onde o cálculo é removido.²¹
Em alguns casos, é colocado temporariamente um cateter duplo J para manter o canal aberto.¹⁶ Situações graves — como infecção associada, cálculo em rim único ou obstrução bilateral — exigem drenagem imediata.¹⁵
Como prevenir novos cálculos
A prevenção é a melhor estratégia. E a regra número um é simples: beber bastante água. As diretrizes recomendam produzir ao menos 2,5 litros de urina por dia, o que equivale a ingerir entre 2,5 e 3 litros de água.¹ No calor ou durante exercícios, essa quantidade deve ser ainda maior. Manter o corpo bem hidratado reduz pela metade o risco de novos episódios.²²
Mudanças na dieta também fazem diferença. Reduza o sal, modere o consumo de carne vermelha, mantenha o cálcio em níveis adequados e consuma mais frutas e verduras.²³ Sucos cítricos — como limonada natural — ajudam a proteger os rins. Já refrigerantes e bebidas açucaradas aumentam o risco de formação de pedras e devem ser evitados.²⁴
Pessoas que praticam atividades intensas precisam ter cuidado com suplementos. O uso excessivo de vitamina C (acima de 1.000 mg/dia), vitamina D em doses altas e proteínas em pó pode aumentar o risco.¹
Para quem tem recorrência
Quem já teve mais de um episódio ou tem apenas um rim deve realizar o exame de urina de 24 horas.¹ Ele identifica substâncias em desequilíbrio e mostra alterações tratáveis em mais de 93% dos casos.²⁵
Com base nesse resultado, o médico pode prescrever medicamentos que reduzem a eliminação de cálcio, aumentam substâncias protetoras ou diminuem o ácido úrico.²⁶ Em alguns casos, quando há disfunção hormonal nas glândulas que regulam o cálcio, pode ser necessário tratamento cirúrgico.¹²
Depois de um episódio
Entre 80% e 90% dos casos se resolvem completamente.¹⁷ Mas as pedras podem voltar: sem medidas preventivas, metade das pessoas terá outro episódio em até dez anos.²⁷ Quanto mais recorrências, maior o risco — a taxa sobe de 3,4 casos por 100 pessoas/ano após o primeiro cálculo para 17,6 após quatro ou mais.²⁸
Os fatores que mais contribuem para a repetição são: diagnóstico precoce (em idade jovem), sexo masculino, histórico familiar, diabetes, hipertensão, obesidade, gota e cirurgias prévias para retirada de cálculos.²⁸ Casos repetidos aumentam o risco de doença renal crônica.⁵
Ter uma pedra nos rins não significa conviver com o problema para sempre. Com mudanças no estilo de vida e, quando indicado, medicações preventivas, é possível reduzir drasticamente as chances de novos episódios e preservar a função renal.
Alzheimer mito ou verdade Anvisa carcinoma espinocelular Ciência e Saúde corpos de Lewy Câncer de Mama demência demência frontotemporal desinformação em saúde diabetes tipo 2 diagnóstico da demência diagnóstico precoce diagnóstico precoce câncer de pele doença de Alzheimer emagrecimento saudável evidências científicas FEBRASGO Infarto medicina baseada em evidências melanoma Ministério da Saúde mitos sobre câncer de mama OMS pediatria Pedras nos rins prevenção cardiovascular prevenção câncer de pele rastreamento do câncer de mama Reposição Hormonal Saúde a Sério SaúdeCardiovascular Saúde com responsabilidade saúde da mulher saúde do coração saúde infantil Saúde masculina saúde materna saúde mental saúde pública sintomas da demência terapia hormonal menopausa câncer de mama transtornos que imitam demência tratamento da demência trombose trombose venosa profunda
- Carvalho M, Matos ACC, Santos DR, Barreto DV, Barreto FC, Rodrigues FG, et al. Diretrizes Brasileiras para diagnóstico e tratamento clínico da Nefrolitíase: Sociedade Brasileira de Nefrologia. Braz J Nephrol. 2025;47(2):e20240189.
- Khan SR, Pearle MS, Robertson WG, Gambaro G, Canales BK, Doizi S, et al. Kidney stones. Nat Rev Dis Primers. 2016;2:16008.
- Abreu-Jr JM, Ferreira Filho SR. Influence of climate on the number of hospitalizations for nephrolithiasis in urban regions in Brazil. Braz J Nephrol. 2020;42(3):288-297.
- Tasian GE, Pulliam S, Osadchiy V, Kenney PA, Goldfarb DS, Saigal CS. Daily Mean Temperature and Clinical Kidney Stone Presentation in Five U.S. Metropolitan Areas: A Time-Series Analysis. Environ Health Perspect. 2014;122(10):1081-1087.
- Rule AD, Bergstralh EJ, Melton LJ, Li X, Weaver AL, Lieske JC. Kidney stones and the risk for chronic kidney disease. Clin J Am Soc Nephrol. 2009;4(4):804-811.
- Stamatelou K, Goldfarb DS. Epidemiology of Kidney Stones. Healthcare (Basel). 2023;11(3):359.
- Karki N, Leslie SW. Struvite and Triple Phosphate Renal Calculi. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023.
- Leslie SW, Sajjad H, Nazzal L. Cystinuria. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023.
- Jornal da USP. Cálculo renal atinge 10% da população [Internet]. 2018.
- Afsar B, Kiremit MC, Sag AA, Taymez DG, Sultanov F, Kirkpantur A, et al. The role of sodium intake in nephrolithiasis: epidemiology, pathogenesis, and future directions. Eur J Intern Med. 2016;35:16-19.
- Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Stampfer MJ. A prospective study of dietary calcium and other nutrients and the risk of symptomatic kidney stones. N Engl J Med. 1993;328(12):833-838.
- Pokhrel B, Leslie SW, Levine SN. Primary Hyperparathyroidism. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Goldfarb DS, Fischer ME, Keich Y, Goldberg J. A twin study of genetic and dietary influences on nephrolithiasis: a report from the Vietnam Era Twin (VET) Registry. Kidney Int. 2005;67(3):1053-1061.
- Patti L, Leslie SW. Acute Renal Colic. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Rojas-Moreno C. Pyonephrosis and pyocystis. IDCases. 2016;6:104-105.
- Leslie SW, Sajjad H. Renal Calculi, Nephrolithiasis. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Scales CD, Smith AC, Hanley JM, Saigal CS. Prevalence of kidney stones in the United States. Eur Urol. 2012;62(1):160-165.
- Ye Z, Zeng G, Yang H, Tang K, Zhang X, Li H, et al. Efficacy and Safety of Tamsulosin in Medical Expulsive Therapy for Distal Ureteral Stones with Renal Colic. Eur Urol. 2018;73(3):385-391.
- Manzoor H, Leslie SW, Saikali SW. Extracorporeal Shockwave Lithotripsy. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Wason SE, Leslie SW. Ureteroscopy. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025.
- Ibrahim A, Wollin D, Preminger G, Andonian S. Technique of Percutaneous Nephrolithotomy. J Endourol. 2018;32(S1):S17-S27.
- Lotan Y, Antonelli J, Jiménez IB, Okhunov Z, Witt D, Jorgensen M, et al. The kidney stone and increased water intake trial in steel workers: results from a pilot study. Urolithiasis. 2017;45(2):177-183.
- Taylor EN, Fung TT, Curhan GC. DASH-style diet associates with reduced risk for kidney stones. J Am Soc Nephrol. 2009;20(10):2253-2259.
- Ferraro PM, Taylor EN, Gambaro G, Curhan GC. Soda and other beverages and the risk of kidney stones. Clin J Am Soc Nephrol. 2013;8(8):1389-1395.
- Leslie SW, Sajjad H, Bashir K. 24-Hour Urine Testing for Nephrolithiasis: Interpretation and Treatment Guidelines. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Leslie SW, Bashir K. Hypocitraturia and Renal Calculi. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024.
- Ferraro PM, Curhan GC, D’Addessi A, Gambaro G. Risk of recurrence of idiopathic calcium kidney stones: analysis of data from the literature. J Nephrol. 2017;30(2):227-233.
- Wang K, Ge J, Han W, Zhao L, Lu Q, Song Q, et al. Risk factors for kidney stone disease recurrence: a comprehensive meta-analysis. BMC Urol. 2022;22(1):62.