
“A pólio acabou no Brasil, meu filho não precisa tomar a vacina.” Essa frase circula em consultórios, grupos de WhatsApp e até em conversas com avós que viveram a época das campanhas do Zé Gotinha. Afinal, se não há mais casos da doença por aqui há décadas, por que continuar vacinando? Parece lógico, mas será que é verdade?
O que dizem por aí
A crença mais comum é que, como o Brasil eliminou a poliomielite em 1989 e recebeu o certificado oficial de erradicação em 1994, a vacina deixou de ser necessária. “Se ninguém mais tem a doença, por que furar minha criança à toa?”, argumentam alguns pais. Outros acreditam que a vacina oral (a famosa gotinha) foi descontinuada porque não funcionava direito ou porque causava problemas. Há também quem pense que a pólio é uma doença exclusiva de países pobres e que, com as condições de saneamento do Brasil, o vírus jamais voltaria.
Nas redes sociais, circular ainda a ideia de que “vacinas antigas” não são mais necessárias porque as doenças “foram extintas naturalmente”. Tudo isso soa convincente — mas a conta não fecha quando a gente olha os dados.
O que a ciência realmente diz
FAKE: A pólio não está erradicada no mundo. Apenas no Brasil e nas Américas.
É verdade que o Brasil não registra casos autóctones de poliomielite desde 1989 e que a Organização Pan-Americana da Saúde certificou a eliminação da doença no continente americano em 1994.¹² Mas isso não significa que o vírus desapareceu do planeta. Até julho de 2024, foram confirmados 12 casos de poliovírus selvagem tipo 1 no mundo — cinco no Afeganistão e sete no Paquistão, os dois únicos países onde a doença continua endêmica.³ Além disso, entre janeiro de 2023 e junho de 2024, houve 74 surtos de poliovírus circulante derivado da vacina em 39 países, com 672 casos de paralisia.⁴
FATO: O vírus pode voltar ao Brasil se a vacinação cair.
O poliovírus é altamente contagioso e pode cruzar fronteiras com facilidade. Em julho de 2022, os Estados Unidos confirmaram o primeiro caso de pólio em quase uma década: um jovem não vacinado, em Nova York, contraiu o vírus. A análise de águas residuais revelou transmissão comunitária silenciosa em seis condados.⁵ Isso mostra que, enquanto o vírus circular em qualquer parte do mundo, nenhum país está totalmente protegido — especialmente se a cobertura vacinal cair abaixo dos 95% recomendados pela OMS.
E é exatamente isso que está acontecendo no Brasil. Em 2023, apenas 86,5% das crianças receberam a vacina contra pólio — bem abaixo da meta.³ Desde 2016, as coberturas vacinais caem ano após ano.⁶ Quando menos de 95% da população está imunizada, surgem bolsões de vulnerabilidade: regiões onde o vírus pode voltar a circular caso seja reintroduzido.
FATO: A pólio pode circular sem sintomas — e atacar de surpresa.
Cerca de 70% dos infectados pelo poliovírus não apresentam nenhum sintoma.⁷ Outros têm apenas febre e dor de cabeça, facilmente confundidos com uma virose comum. É por isso que o vírus pode se espalhar silenciosamente antes que alguém perceba. Em menos de 1% dos casos, porém, ele atinge a medula espinhal e causa paralisia flácida aguda — uma fraqueza súbita e permanente, geralmente nas pernas. Entre os pacientes com paralisia, de 5% a 10% morrem quando os músculos respiratórios são comprometidos.⁷
Quando a paralisia aparece, já é tarde demais. Não existe tratamento para reverter os danos causados pelo vírus. A única proteção é a vacina.
FATO: A vacina mudou, mas continua essencial.
A famosa “gotinha” (vacina oral, VOP) foi substituída pela vacina inativada poliomielite (VIP), aplicada por injeção, em novembro de 2024.¹ A mudança não aconteceu porque a vacina oral era ruim — pelo contrário, ela foi fundamental para erradicar a pólio das Américas. A troca foi feita para eliminar o risco — ainda que mínimo — de mutação do vírus presente na versão oral, que em raríssimos casos podia causar a doença.
A VIP é feita com vírus inativado, não apresenta risco de causar pólio e oferece mais de 95% de eficácia.⁷ O esquema atual prevê três doses (aos 2, 4 e 6 meses) e reforços aos 15 meses e entre 4 e 6 anos.⁸ A vacina é gratuita no SUS, segura e raramente causa efeitos colaterais além de leve desconforto no local da aplicação.
FAKE: “Com saneamento básico, a pólio não volta.”
É verdade que condições inadequadas de saneamento facilitam a transmissão do poliovírus, que se espalha principalmente pela via fecal-oral.⁹ Mas o vírus também pode ser transmitido por gotículas respiratórias — e não respeita fronteiras ou classes sociais. O caso de Nova York, em 2022, é um exemplo disso: aconteceu em um país desenvolvido, com infraestrutura de saneamento, mas em uma região com baixa cobertura vacinal.⁵
Saneamento ajuda, mas não substitui a vacina.
A resposta é: MITO
A pólio foi eliminada do Brasil, mas não do mundo. Enquanto o vírus circular em qualquer lugar do planeta, todos os países permanecem em risco — especialmente aqueles com cobertura vacinal abaixo de 95%.
A falsa sensação de segurança é perigosa. Como a doença desapareceu do cotidiano, muitas famílias nunca viram suas consequências e acham que a vacina virou desnecessária. Mas a ciência é clara: a única forma de manter o Brasil livre da pólio é continuar vacinando.¹⁰ Um único caso importado pode deflagrar um surto em locais onde a imunização caiu.
O que fazer: Verifique a caderneta de vacinação das crianças. Se o esquema estiver incompleto, procure a Unidade Básica de Saúde mais próxima. A vacina é gratuita, segura e protege por toda a vida. Proteger uma geração inteira depende de cada dose aplicada — inclusive a do seu filho.
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- Ministério da Saúde. Brasil adota novo esquema vacinal contra a poliomielite. 04 nov 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/novembro/brasil-adota-novo-esquema-vacinal-contra-a-poliomielite
- Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Certificação da erradicação da poliomielite nas Américas. 1994. Disponível em: https://www.paho.org/pt/poliomielite
- World Health Organization. Poliomyelitis – Key facts. 02 abr 2025. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/poliomyelitis
- Centers for Disease Control and Prevention. Update on Vaccine-Derived Poliovirus Outbreaks — Worldwide, January 2023–June 2024. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 17 out 2024; 73(41). Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/73/wr/mm7341a3.htm
- Link-Gelles R, Lutterloh E, Ruppert P, et al. Public Health Response to a Case of Paralytic Poliomyelitis — New York, June–August 2022. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 19 ago 2022; 71(33):1065–1068. Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/71/wr/mm7133e2.htm
- Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Poliomielite: vacinação é a forma mais eficaz de prevenção. Disponível em: https://www.saude.sc.gov.br
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Clinical Overview of Poliomyelitis. 10 mai 2024. Disponível em: https://www.cdc.gov/polio/hcp/clinical-overview/index.html
- Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Calendário de vacinação SBIm 2025/2026 – Do nascimento à terceira idade. 19 ago 2025. Disponível em: https://sbim.org.br/images/calend-sbim-0-100-2025-26-250819.pdf_2025-08-20.pdf
- World Health Organization. Poliomyelitis – Key facts. 02 abr 2025. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/poliomyelitis
- World Health Organization. Statement of the Thirty-ninth Meeting of the Polio IHR Emergency Committee. 13 ago 2024. Disponível em: https://www.who.int/news/item/13-08-2024-statement-of-the-thirty-ninth-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-emergency-committee-regarding-the-international-spread-of-poliovirus