Vasectomia causa câncer de próstata? Descubra o que diz a ciência sobre os mitos mais perigosos da doença

Fake news sobre saúde masculina circulam nas redes sociais e afastam homens dos cuidados preventivos

Tempo de Leitura: 6 minutos

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A mensagem chega pelo WhatsApp, geralmente com um tom alarmista: “Cuidado! Vasectomia aumenta risco de câncer de próstata”. Em poucos minutos, dezenas de compartilhamentos. O mesmo acontece com outras informações sobre a doença — algumas bizarras, outras aparentemente sensatas. No meio de tanta informação, separar fato de ficção virou um desafio real, com consequências perigosas para a saúde de milhões de homens brasileiros.

O câncer de próstata é o segundo mais comum entre brasileiros, ficando atrás somente dos tumores de pele não melanoma. O Instituto Nacional de Câncer estima mais de 71 mil novos casos por ano no país. Com números tão expressivos, cada desinformação ganha peso: há quem evite exames preventivos por medo infundado, quem abandone tratamentos comprovados em busca de curas milagrosas, e tantos outros que simplesmente não sabem em que acreditar.

A situação piorou com a pandemia de fake news. Grupos em redes sociais se multiplicaram, compartilhando desde receitas caseiras até teorias conspiratórias sobre a indústria farmacêutica. Pesquisas mostram que pacientes expostos a esse tipo de conteúdo tendem a adiar consultas e desconfiar de orientações médicas, comprometendo o diagnóstico precoce e reduz as chances de tratamento bem-sucedido.

Fake: vasectomia aumenta risco de câncer de próstata

Não existe relação entre vasectomia e câncer de próstata. Uma revisão sistemática publicada no BMJ Open analisou dados de mais de 2,5 milhões de homens e não encontrou aumento no risco¹. O mito surgiu nos anos 1980, mas estudos posteriores desvendaram o equívoco: homens que fazem vasectomia costumam ter melhor acesso à saúde e realizam mais exames, o que leva à detecção de cânceres já existentes². A American Urological Association é clara: o procedimento é seguro³.

Nem fake nem fato: muita relação sexual previne câncer de próstata

A ciência mostra uma associação interessante, mas não garante prevenção. Um estudo de Harvard acompanhou mais de 31 mil homens e descobriu que aqueles com maior frequência de ejaculação — 21 ou mais vezes por mês — apresentaram 31% menos risco de desenvolver a doença⁴. A hipótese é que ejacular frequentemente ajuda a eliminar substâncias potencialmente cancerígenas da próstata. Ainda assim, isso não transforma atividade sexual em método preventivo garantido — apenas mostra que não há motivo para preocupação com a frequência.

Fato: idade avançada é o principal fator de risco

A idade lidera disparado os fatores de risco. Cerca de 60% dos diagnósticos acontecem em homens com 65 anos ou mais, enquanto menos de 10% ocorrem antes dos 55⁵. Após os 50, o risco aumenta drasticamente, o que explica por que as diretrizes médicas recomendam iniciar a conversa sobre rastreamento justamente nessa faixa etária.

Fato: homens negros têm maior risco de desenvolver a doença

Homens negros enfrentam risco até 60% maior de desenvolver câncer de próstata em comparação com homens brancos⁶. Além disso, costumam receber o diagnóstico mais cedo e com tumores mais agressivos. Essa maior incidência e gravidade justificam a recomendação de começar o rastreamento aos 45 anos para homens afrodescendentes — cinco anos antes da população geral.

Fato: histórico familiar aumenta significativamente o risco

Ter pai ou irmão com diagnóstico de câncer de próstata duplica, ou triplica o risco individual⁷. Quanto mais parentes de primeiro grau afetados e quanto mais jovens eram ao receber o diagnóstico, maior é o risco. Para esses casos, a recomendação é iniciar a conversa sobre rastreamento aos 45 anos.

Fake: PSA alto sempre significa câncer de próstata

Níveis elevados de PSA estão longe de ser sinônimo de câncer. Estudos revelam que entre 60% e 75% dos resultados positivos são falso-positivos⁸. Infecções urinárias, inflamação da próstata e até hiperplasia benigna podem elevar o marcador. No extremo oposto, cerca de 15% dos cânceres não aumentam o PSA, gerando falso-negativos⁹. O exame é importante, sim, mas precisa ser interpretado junto com o toque retal e, quando necessário, com ressonância magnética.

Fake: tratamento sempre causa impotência

A disfunção erétil não é um destino inevitável. As taxas variam bastante conforme a técnica utilizada. Após prostatectomia com preservação de nervos, entre 40% e 60% dos homens recuperam a função erétil em dois anos¹⁰. Técnicas robóticas mostram resultados ainda melhores, alcançando até 67% de recuperação em 18 meses¹¹. Medicamentos ajudam cerca de 75% dos pacientes¹². Idade e função erétil prévia pesam significativamente na recuperação.

Fake: tratamento sempre causa incontinência urinária

A incontinência raramente é permanente. Após prostatectomia, cerca de 10 a 15% dos homens usam absorventes aos seis meses, mas esse número cai para menos de 10% em três anos¹³. A maioria experimenta melhora constante, principalmente no primeiro ano. Exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico aceleram a recuperação, e para casos persistentes existem tratamentos com mais de 80% de taxa de sucesso¹⁴.

Fake e perigoso: chás e ervas curam câncer de próstata

Não existe evidência científica de que plantas medicinais ou terapias alternativas curem câncer de próstata. O dado mais preocupante: pacientes que abandonam tratamentos convencionais têm risco de morte até 2,5 vezes maior¹⁵. Enquanto isso, com tratamento adequado, as chances de cura no estágio inicial ultrapassam 90%.

Fake: exame de toque espalha o câncer

O exame de toque não espalha células cancerígenas. A afirmação é falsa, sem qualquer respaldo biológico. Na verdade, o procedimento é essencial para identificar alterações que o PSA sozinho não detecta¹⁶.

Fake: só preciso fazer exames se tiver sintomas

O câncer de próstata é silencioso em suas fases iniciais. Quando os sintomas aparecem — dificuldade para urinar, sangue na urina, dor óssea —, muitas vezes a doença já avançou. As diretrizes recomendam conversar sobre exames a partir dos 50 anos, ou aos 45 para quem tem fatores de risco¹⁷. Esperar pelos sintomas pode significar perder a melhor janela de tratamento.

A desinformação sobre câncer de próstata atinge milhares de famílias brasileiras todos os anos. Cada homem que deixa de fazer exames por acreditar em fake news, cada paciente que troca tratamento eficaz por promessas vazias, cada diagnóstico tardio causado por medo ou desconhecimento — tudo isso representa vidas em risco concreto.

A medicina avançou muito nas últimas décadas. Hoje há técnicas minimamente invasivas, terapias direcionadas e protocolos personalizados que reduzem drasticamente os efeitos colaterais. Mas toda essa tecnologia só funciona quando combinada com informação de qualidade e decisões conscientes.

Diante de informações sobre saúde nas redes sociais, cultive uma desconfiança saudável. Busque fontes oficiais, consulte sites de instituições médicas reconhecidas, converse com profissionais qualificados. Mensagens alarmistas ou promessas de curas milagrosas merecem ser ignoradas — nunca compartilhadas.

O diálogo franco entre homens e seus médicos segue sendo a melhor estratégia de prevenção. Quebrar o silêncio, vencer o preconceito e buscar informação confiável são atitudes que salvam vidas. No combate ao câncer de próstata, conhecimento não é apenas poder. É sobrevivência.

  1. Bhindi B, Wallis CJD, Nayan M, et al. The association between vasectomy and prostate cancer: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 2017;7(6):e013242. Disponível em: https://bmjopen.bmj.com/content/7/6/e013242
  2. Jacobs EJ, Anderson RL, Stevens VL, et al. Vasectomy and prostate cancer incidence in a large US cohort. Journal of Clinical Oncology. 2015;33(34):3974-3976. Disponível em: https://ascopubs.org/doi/10.1200/JCO.2015.62.4845
  3. American Urological Association. Vasectomy: AUA Guideline. Journal of Urology. 2012;188(6S):2482-2491. Disponível em: https://www.auajournals.org/doi/10.1016/j.juro.2012.09.080
  4. Rider JR, Wilson KM, Sinnott JA, et al. Ejaculation Frequency and Risk of Prostate Cancer: Updated Results with an Additional Decade of Follow-up. European Urology. 2016;70(6):974-982. Disponível em: https://www.europeanurology.com/article/S0302-2838(16)00377-8/fulltext
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  7. Kiciński M, Vangronsveld J, Nawrot TS. An epidemiologic study of familial prostate cancer in Sweden. Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention. 2012;21(11):1982-1992. Disponível em: https://aacrjournals.org/cebp/article/21/11/1982/70584
  8. Fenton JJ, Weyrich MS, Durbin S, Liu Y, Bang H, Melnikow J. Prostate-Specific Antigen-Based Screening for Prostate Cancer: Evidence Report and Systematic Review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. 2018;319(18):1914-1931. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9818944/
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  12. Johns Hopkins Medicine. Erectile Dysfunction After Prostate Cancer. Disponível em: https://www.hopkinsmedicine.org/health/conditions-and-diseases/prostate-cancer/erectile-dysfunction-after-prostate-cancer
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