É verdade que melatonina faz mal ao coração?

Um estudo da American Heart Association levantou preocupações sobre os efeitos do uso prolongado do hormônio do sono no sistema cardiovascular

Tempo de Leitura: 4 minutos

Desde que passou a ser vendida nas farmácias brasileiras em 2021, a melatonina tornou-se um dos suplementos naturais mais populares entre quem busca dormir melhor. Liberada sem prescrição e vista como segura, entrou na rotina de milhões de pessoas. A dúvida, porém, ganhou força depois que um estudo reacendeu o debate: será que a melatonina faz mal ao coração, como muita gente vem se perguntando?

Apresentado em novembro de 2025, durante as Sessões Científicas da American Heart Association (AHA), o estudo sugere que o uso prolongado do hormônio pode estar relacionado a riscos cardiovasculares relevantes — como insuficiência cardíaca e aumento da mortalidade geral.

A pesquisa, conduzida por centros médicos norte-americanos, analisou registros de mais de 130 mil adultos com insônia crônica acompanhados por cinco anos. Entre os que usaram melatonina por pelo menos 12 meses, o risco de desenvolver insuficiência cardíaca foi 90% maior do que entre quem nunca tomou o suplemento.¹ O grupo também apresentou 3,5 vezes mais hospitalizações por problemas cardíacos e quase o dobro de mortes no período.¹

O que o estudo realmente mostrou

Os pesquisadores consideraram 40 variáveis, incluindo idade, sexo, doenças pré-existentes, uso de medicamentos e pressão arterial.¹ Os resultados foram consistentes e, por se tratar de um estudo retrospectivo baseado em prontuários eletrônicos, reforçam a necessidade de mais pesquisas clínicas sobre a segurança do uso prolongado.¹ Embora apresente limitações, o volume de dados confere robustez estatística às conclusões.¹

Antes de entender o que o estudo observou, vale lembrar o que é a melatonina e qual o seu papel no corpo.

O que é a melatonina e como ela age no corpo

A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, responsável por regular o ciclo de sono e vigília conforme a luz diminui ao anoitecer. Sua versão sintética, idêntica à natural, é classificada como suplemento alimentar e usada para auxiliar quem sofre de distúrbios do sono.

Ser um suplemento significa complementar a produção natural do organismo, sem finalidade terapêutica. Já um medicamento precisa passar por estudos clínicos, comprovar eficácia e obter autorização específica para tratar doenças.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda da melatonina como suplemento alimentar em outubro de 2021, limitando a dose diária a 0,21 mg e permitindo o uso apenas por maiores de 19 anos.²

A Anvisa alerta que gestantes, lactantes, crianças e pessoas em atividades que exigem atenção constante não devem consumir o produto, pela falta de estudos de segurança nessas populações.² Quem possui doenças crônicas ou utiliza outros medicamentos deve consultar um profissional de saúde antes do uso.² A agência reforça ainda que a melatonina não é um medicamento e, portanto, não deve ser utilizada para tratar insônia crônica

Associação não é causa: o que isso significa

Apesar dos números expressivos, os autores do estudo destacam que ele mostra uma associação estatística, e não uma relação direta de causa e efeito.¹ Ou seja, o suplemento não pode ser considerado o responsável direto pelos problemas cardíacos observados.

Outros fatores podem contribuir — como depressão, ansiedade, uso de medicamentos para dormir ou a própria insônia crônica, que tende a elevar a pressão arterial e aumentar a inflamação no organismo.¹

O trabalho reconhece limitações metodológicas, como diferenças nas regras de prescrição entre países, o que pode ter levado à subnotificação de usuários.¹ Também não há informações detalhadas sobre a gravidade da insônia ou a presença de outros transtornos psiquiátricos.¹

Segundo a American Heart Association, o uso prolongado da melatonina deve ser acompanhado por um profissional de saúde.¹ Nos Estados Unidos, o suplemento não é aprovado para o tratamento de insônia crônica e não deve ser utilizado continuamente sem supervisão médica

O que dizem as autoridades no Brasil

No Brasil, a comercialização da melatonina segue as normas da Anvisa, que recomenda avaliação médica antes do início do uso — especialmente em casos de doenças, uso de medicamentos ou sintomas persistentes de insônia.²

Os resultados da American Heart Association não devem gerar pânico, mas servem de alerta. A crença de que suplementos naturais ou produtos sem receita são sempre seguros precisa ser revista.¹ Algo não é automaticamente inofensivo só por estar disponível na prateleira da farmácia.

Quem já utiliza melatonina há mais de um ano deve procurar orientação médica para reavaliar a necessidade do suplemento. Para quem pretende iniciar, o ideal é buscar aconselhamento profissional antes de transformar o uso em hábito. Novas pesquisas ainda são necessárias para compreender melhor os efeitos cardiovasculares da melatonina a longo prazo — especialmente diante do aumento expressivo de seu consumo.

Então, melatonina faz mal ao coração?

A resposta é: não há prova de que a melatonina cause doenças cardíacas, mas há indícios de que o uso prolongado possa estar associado a riscos cardiovasculares.¹ O hormônio continua sendo considerado seguro quando usado em doses adequadas e por períodos curtos, sob acompanhamento médico.

O entendimento atual das entidades médicas e regulatórias é que até substâncias que o corpo produz naturalmente exigem cautela quando consumidas em versão sintética e por tempo prolongado. Dormir bem é essencial — mas sem comprometer a saúde do coração.

  1. American Heart Association. Long-term use of melatonin supplements to support sleep may have negative health effects. Dallas, TX: American Heart Association; 3 nov 2025. Disponível em: https://newsroom.heart.org/news/long-term-use-of-melatonin-supplements-to-support-sleep-may-have-negative-health-effects
  2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Anvisa autoriza melatonina na forma de suplemento alimentar. Brasília: Anvisa; 15 out 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-autoriza-a-melatonina-na-forma-de-suplemento-alimentar

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