
Desde que passou a ser vendida nas farmácias brasileiras em 2021, a melatonina tornou-se um dos suplementos naturais mais populares entre quem busca dormir melhor. Liberada sem prescrição e vista como segura, entrou na rotina de milhões de pessoas. A dúvida, porém, ganhou força depois que um estudo reacendeu o debate: será que a melatonina faz mal ao coração, como muita gente vem se perguntando?
Apresentado em novembro de 2025, durante as Sessões Científicas da American Heart Association (AHA), o estudo sugere que o uso prolongado do hormônio pode estar relacionado a riscos cardiovasculares relevantes — como insuficiência cardíaca e aumento da mortalidade geral.
A pesquisa, conduzida por centros médicos norte-americanos, analisou registros de mais de 130 mil adultos com insônia crônica acompanhados por cinco anos. Entre os que usaram melatonina por pelo menos 12 meses, o risco de desenvolver insuficiência cardíaca foi 90% maior do que entre quem nunca tomou o suplemento.¹ O grupo também apresentou 3,5 vezes mais hospitalizações por problemas cardíacos e quase o dobro de mortes no período.¹
O que o estudo realmente mostrou
Os pesquisadores consideraram 40 variáveis, incluindo idade, sexo, doenças pré-existentes, uso de medicamentos e pressão arterial.¹ Os resultados foram consistentes e, por se tratar de um estudo retrospectivo baseado em prontuários eletrônicos, reforçam a necessidade de mais pesquisas clínicas sobre a segurança do uso prolongado.¹ Embora apresente limitações, o volume de dados confere robustez estatística às conclusões.¹
Antes de entender o que o estudo observou, vale lembrar o que é a melatonina e qual o seu papel no corpo.
O que é a melatonina e como ela age no corpo
A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, responsável por regular o ciclo de sono e vigília conforme a luz diminui ao anoitecer. Sua versão sintética, idêntica à natural, é classificada como suplemento alimentar e usada para auxiliar quem sofre de distúrbios do sono.
Ser um suplemento significa complementar a produção natural do organismo, sem finalidade terapêutica. Já um medicamento precisa passar por estudos clínicos, comprovar eficácia e obter autorização específica para tratar doenças.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda da melatonina como suplemento alimentar em outubro de 2021, limitando a dose diária a 0,21 mg e permitindo o uso apenas por maiores de 19 anos.²
A Anvisa alerta que gestantes, lactantes, crianças e pessoas em atividades que exigem atenção constante não devem consumir o produto, pela falta de estudos de segurança nessas populações.² Quem possui doenças crônicas ou utiliza outros medicamentos deve consultar um profissional de saúde antes do uso.² A agência reforça ainda que a melatonina não é um medicamento e, portanto, não deve ser utilizada para tratar insônia crônica.²
Associação não é causa: o que isso significa
Apesar dos números expressivos, os autores do estudo destacam que ele mostra uma associação estatística, e não uma relação direta de causa e efeito.¹ Ou seja, o suplemento não pode ser considerado o responsável direto pelos problemas cardíacos observados.
Outros fatores podem contribuir — como depressão, ansiedade, uso de medicamentos para dormir ou a própria insônia crônica, que tende a elevar a pressão arterial e aumentar a inflamação no organismo.¹
O trabalho reconhece limitações metodológicas, como diferenças nas regras de prescrição entre países, o que pode ter levado à subnotificação de usuários.¹ Também não há informações detalhadas sobre a gravidade da insônia ou a presença de outros transtornos psiquiátricos.¹
Segundo a American Heart Association, o uso prolongado da melatonina deve ser acompanhado por um profissional de saúde.¹ Nos Estados Unidos, o suplemento não é aprovado para o tratamento de insônia crônica e não deve ser utilizado continuamente sem supervisão médica.¹
O que dizem as autoridades no Brasil
No Brasil, a comercialização da melatonina segue as normas da Anvisa, que recomenda avaliação médica antes do início do uso — especialmente em casos de doenças, uso de medicamentos ou sintomas persistentes de insônia.²
Os resultados da American Heart Association não devem gerar pânico, mas servem de alerta. A crença de que suplementos naturais ou produtos sem receita são sempre seguros precisa ser revista.¹ Algo não é automaticamente inofensivo só por estar disponível na prateleira da farmácia.
Quem já utiliza melatonina há mais de um ano deve procurar orientação médica para reavaliar a necessidade do suplemento. Para quem pretende iniciar, o ideal é buscar aconselhamento profissional antes de transformar o uso em hábito. Novas pesquisas ainda são necessárias para compreender melhor os efeitos cardiovasculares da melatonina a longo prazo — especialmente diante do aumento expressivo de seu consumo.
Então, melatonina faz mal ao coração?
A resposta é: não há prova de que a melatonina cause doenças cardíacas, mas há indícios de que o uso prolongado possa estar associado a riscos cardiovasculares.¹ O hormônio continua sendo considerado seguro quando usado em doses adequadas e por períodos curtos, sob acompanhamento médico.
O entendimento atual das entidades médicas e regulatórias é que até substâncias que o corpo produz naturalmente exigem cautela quando consumidas em versão sintética e por tempo prolongado. Dormir bem é essencial — mas sem comprometer a saúde do coração.
- American Heart Association. Long-term use of melatonin supplements to support sleep may have negative health effects. Dallas, TX: American Heart Association; 3 nov 2025. Disponível em: https://newsroom.heart.org/news/long-term-use-of-melatonin-supplements-to-support-sleep-may-have-negative-health-effects
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Anvisa autoriza melatonina na forma de suplemento alimentar. Brasília: Anvisa; 15 out 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-autoriza-a-melatonina-na-forma-de-suplemento-alimentar