A febre é um dos sintomas mais frequentes da infância — e, talvez por isso, um dos que mais geram dúvidas e interpretações equivocadas. Entre termômetros digitais, remédios de plantão e conselhos populares, mitos antigos ainda moldam o comportamento de muitas famílias diante de um quadro febril. A ciência, porém, mostra que boa parte dessas crenças não se sustenta.

“Toda criança com febre alta corre risco de convulsão.”
Mito. As convulsões febris não são causadas apenas pelo aumento da temperatura. Elas acontecem em crianças com predisposição individual, e o uso de antitérmicos preventivos não reduz a chance de ocorrer.³–⁵
“A febre pode causar danos cerebrais.”
Mito. A febre não queima neurônios nem provoca lesões cerebrais. Mesmo temperaturas em torno de 40 °C não causam dano. O que pode ser perigoso é a hipertermia, quando o corpo perde a capacidade de regular a própria temperatura — o que é diferente da febre infecciosa.
“A febre é amiga.”
Verdade. A elevação da temperatura corporal é uma resposta fisiológica de defesa: torna o ambiente menos favorável à multiplicação de vírus e bactérias e acelera a atuação do sistema imunológico.¹,² Em outras palavras, a febre é um sinal de que o corpo está reagindo.
“A febre é um sintoma, não uma doença.”
Verdade. A febre é uma manifestação do organismo diante de uma agressão, e não uma doença isolada. Tratar a febre sem compreender a causa é como silenciar um alarme sem apagar o incêndio.
“Se eu baixar a febre da criança, ela para de combater a infecção.”
Mito. O uso correto de antitérmicos não atrapalha o sistema imunológico.² O medicamento atua apenas para aliviar o desconforto; o corpo continua reagindo normalmente à infecção.
“Febre alta é sempre sinal de doença grave.”
Mito. A intensidade da febre não indica, sozinha, a gravidade do quadro. Há infecções sérias com febre leve e doenças simples com febre alta. O que deve orientar a decisão é o estado geral da criança.¹
“A febre pode subir indefinidamente.”
Mito. O corpo tem um mecanismo de autorregulação térmica controlado pelo hipotálamo. Quando a temperatura se eleva demais, o cérebro reduz a produção de calor e aumenta a dissipação, impedindo que a febre suba sem limite.
“O uso precoce de antitérmicos pode prolongar a doença.”
Verdade parcial. Quando usados de forma indiscriminada — antes mesmo de desconforto —, os antitérmicos podem mascarar sintomas e atrasar a avaliação médica.² Mas, quando indicados pelo pediatra e usados corretamente, não interferem na recuperação.
“Banhos frios e compressas ajudam a baixar a febre.”
Mito. Esses métodos produzem alívio momentâneo, mas aumentam o desconforto e podem provocar calafrios. Revisões científicas mostram que têm efeito breve e pouca vantagem em relação ao tratamento medicamentoso adequado.⁶
“Alternar medicamentos ajuda a baixar a febre mais rápido.”
Mito. Alternar antitérmicos eleva o risco de erro de dosagem e não traz benefício clínico.⁷ O importante é seguir a dose correta e observar o conforto da criança.²
“Termômetro digital na axila é melhor que o de testa.”
Verdade. A medição axilar continua sendo o método mais confiável e recomendado pela SBP e pela American Academy of Pediatrics.¹,² Termômetros de testa — especialmente os infravermelhos sem contato — são práticos, mas sofrem influência de fatores externos como suor, luz ambiente e distância do sensor, o que pode distorcer os resultados. A leitura na axila, embora leve alguns segundos a mais, é mais estável e reflete com maior precisão a temperatura corporal real.
“Febre por mais de três dias é sinal de alerta.”
Verdade. Febre persistente pode indicar uma infecção que exige avaliação médica.¹ Isso não significa, necessariamente, necessidade de internação, mas o quadro deve ser investigado para descartar causas bacterianas ou inflamatórias.
“Devo correr para o hospital se meu recém-nascido tiver febre.”
Verdade. Em bebês com menos de três meses, febre acima de 38 °C (ou abaixo de 35,5 °C) é motivo de atenção imediata.¹ Nessa idade, o sistema imunológico ainda é imaturo, e a febre pode ser o primeiro sinal de uma infecção relevante.
“A febre sempre exige antibiótico.”
Mito. A maioria dos quadros febris na infância é causada por vírus, e antibióticos não têm efeito sobre eles.¹ O uso inadequado desses medicamentos pode gerar resistência bacteriana e prejudicar tratamentos futuros.
“O comportamento da criança é mais importante que o número no termômetro.”
Verdade. O principal indicador de gravidade é o estado geral. Uma criança brincando com 38,5 °C costuma estar melhor do que uma prostrada com 37,8 °C. O olhar clínico — e não apenas o termômetro — deve guiar as decisões.¹