
Por séculos, o açúcar foi sinônimo de prazer e celebração. Está nas festas de aniversário, no café da manhã apressado e nas pequenas pausas do dia em que buscamos um alívio doce para a rotina. Nas últimas décadas, porém, esse mesmo ingrediente passou de símbolo de alegria a vilão da saúde. Nas redes sociais e nos discursos sobre bem-estar, o açúcar branco é acusado de causar obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até câncer.
A pergunta que fica é: ele merece essa fama? Ou o problema está mais na quantidade consumida do que no próprio alimento? A ciência mostra que a resposta é menos dramática — e mais equilibrada — do que parece.
Nem todo açúcar é igual. A ciência nutricional distingue dois grandes grupos. Os açúcares intrínsecos, chamados de naturais, estão presentes nos alimentos em seu estado integral — como a frutose (açúcar natural das frutas) e a lactose (açúcar do leite). Nesse formato, o doce vem acompanhado de fibras, vitaminas, minerais e água. As fibras retardam a absorção da glicose no sangue e evitam picos que desregulam o metabolismo, como reconhece a Organização Mundial da Saúde (OMS) em suas diretrizes sobre alimentação saudável¹.
Uma grande análise de diversos estudos internacionais, publicada em 2017 em um periódico científico especializado, mostrou que o consumo regular de frutas e vegetais está associado a menor risco de doenças crônicas e a melhor saúde geral². O problema, portanto, não está no açúcar contido nos alimentos naturais, mas na forma como ele é isolado e adicionado a produtos processados.
Os açúcares livres — como o açúcar refinado, o xarope de milho e os açúcares presentes em sucos industrializados, mel e xaropes concentrados — são principais responsáveis pelos efeitos negativos à saúde quando consumidos em excesso. Segundo a OMS, esse tipo de açúcar está diretamente ligado ao aumento de doenças metabólicas e inflamatórias³.
Como o excesso de açúcar afeta o metabolismo e a saúde
O consumo crônico de açúcares livres — aqueles adicionados a produtos industrializados — impacta o organismo de diferentes formas. A primeira é metabólica. O excesso de frutose é metabolizado no fígado e pode levar ao acúmulo de gordura visceral e à esteatose hepática não alcoólica, inflamação que se torna cada vez mais comum³.
Ingerir frequentemente alimentos e bebidas açucaradas provoca picos repetidos de glicose, exigindo do pâncreas uma produção constante de insulina. Com o tempo, as células passam a reagir menos a esse hormônio, num processo conhecido como resistência à insulina — a etapa inicial do diabetes tipo 2⁴.
A saúde cardiovascular também sofre consequências. Durante anos, a gordura foi vista como a principal inimiga do coração. Uma revisão abrangente publicada em 2023 pelo BMJ, um dos principais periódicos médicos do mundo, concluiu que o alto consumo de açúcares adicionados está associado a maior risco de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral (AVC) e hipertensão⁵. O excesso eleva os triglicerídeos (gorduras no sangue), reduz o colesterol HDL, considerado o bom colesterol, e favorece a inflamação dos vasos sanguíneos — processo que acelera a aterosclerose.
Há ainda o efeito mais direto: o da saúde bucal. O açúcar serve de combustível para as bactérias da boca, que produzem ácidos capazes de corroer o esmalte dos dentes e causar cáries⁶.
Recomendações da OMS e da AHA sobre consumo de açúcar
As principais organizações de saúde do mundo são unânimes quanto à necessidade de reduzir o consumo de açúcares livres. A OMS recomenda que eles representem menos de 10% das calorias diárias e sugere um corte adicional para menos de 5% — o equivalente a cerca de 25 gramas, ou seis colheres de chá por dia para um adulto saudável³.
A Associação Americana do Coração (AHA) é ainda mais rigorosa: propõe um máximo de nove colheres de chá (36 g) por dia para homens e seis colheres (25 g) para mulheres⁷.
Para efeito de comparação, uma lata de refrigerante tradicional (350 ml) contém em média 35 gramas de açúcar — o equivalente a sete colheres de chá, ou seja, mais do que o limite diário recomendado pela OMS.
E no Brasil? O Ministério da Saúde segue as orientações da OMS e não define um limite próprio de consumo diário. Entretanto, o país adota políticas públicas e acordos com a indústria para reduzir gradualmente o teor de açúcar em produtos industrializados — especialmente refrigerantes, biscoitos e achocolatados.
Chamar o açúcar de veneno é um exagero que ignora nuances importantes. As evidências mostram que o problema está no excesso e no contexto do consumo — especialmente quando ele vem de produtos ultraprocessados, pobres em nutrientes e ricos em calorias.
O açúcar, por si só, não é o inimigo. O risco está no hábito de consumi-lo de forma constante e inconsciente, sem perceber o quanto ele se infiltra no dia a dia. Reduzir o consumo não significa abrir mão do prazer de comer, mas recolocar esse ingrediente no lugar que sempre deveria ter ocupado: o do equilíbrio.
Em um cenário em que dietas extremas e informações conflitantes se multiplicam, a principal lição é simples: entender a ciência antes de condenar um alimento é o primeiro passo para uma relação mais saudável com a comida — e com o próprio corpo.
Referências
- World Health Organization. Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases. (WHO Technical Report Series 916). Geneva: WHO; 2003. https://www.who.int/publications/i/item/924120916X
- Aune D, et al. Fruit and vegetable intake and the risk of cardiovascular disease, total cancer and all-cause mortality—a systematic review and dose-response meta-analysis of prospective studies. Int J Epidemiol. 2017;46(3):1029–1056. https://doi.org/10.1093/ije/dyw319
- World Health Organization. Guideline: Sugars intake for adults and children. Geneva: WHO; 2015. https://www.who.int/publications/i/item/9789241549028
- Stanhope KL, Havel PJ. Fructose consumption: potential mechanisms for its effects to increase visceral adiposity and induce dyslipidemia and insulin resistance. Curr Opin Lipidol. 2008;19(1):16–24. https://doi.org/10.1097/MOL.0b013e3282f2b24a
- Huang Y, et al. Dietary sugar consumption and health: umbrella review. BMJ. 2023;381:e071609. https://doi.org/10.1136/bmj-2022-071609
- Moynihan P, Kelly S. Effect on caries of restricting sugars intake: systematic review to inform WHO guidelines. J Dent Res. 2014;93(1):8–18. https://doi.org/10.1177/0022034513508954
- Johnson RK, et al. Dietary sugars intake and cardiovascular health: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2009;120(11):1011–1020. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.192627