Por que os casos de meningite voltaram a crescer no Brasil?

Doença que pode matar em 24 horas mudou de perfil nos últimos anos: sorogrupo B responde por mais da metade dos casos

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Meningite é uma palavra que assusta. Mas poucos sabem que ela designa um grupo de doenças com gravidades muito distintas — desde infecções virais brandas até formas bacterianas que matam em horas. Entre estas últimas, uma em particular preocupa até médicos experientes: a meningite bacteriana. Não pela frequência, mas pela velocidade. Uma criança saudável pode apresentar febre pela manhã e estar em estado gravíssimo à noite. Em 24 horas, o quadro evolui de sintomas parecidos com uma gripe comum para um desfecho trágico.¹

Mas isso não quer dizer necessidade de sair correndo para o Pronto Socorro na primeira febre. Conhecer sobre as doenças, sintomas e evolução é a chave para saber o momento certo de procurar ajuda. Os primeiros sintomas de meningite não têm nada de característico: febre, irritabilidade, perda de apetite, sonolência.¹ Qualquer pediatra experiente sabe que esses sinais podem indicar desde um resfriado banal até algo muito mais sério.

Só depois de algumas horas surgem os sinais clássicos: rigidez na nuca (que nem sempre está presente em bebês pequenos), manchas avermelhadas na pele que não desaparecem quando pressionadas, confusão mental, convulsões.¹

Nesse ponto, a janela terapêutica já está se fechando. A progressão é tão rápida que pode transformar um quadro aparentemente simples em emergência médica em questão de horas.

O Brasil registrou até setembro do ano passado 3.200 casos de meningite bacteriana e 700 mortes.² Cada número representa uma tragédia familiar. O dado mais preocupante: a taxa de letalidade chegou a 21,9%³ — mais que o dobro da média internacional de 8% a 15%.⁴ O diagnóstico tardio e as dificuldades de acesso ao tratamento em algumas regiões ajudam a explicar por que isso acontece aqui.

Principais causas da meningite bacteriana no Brasil

Três bactérias causam a maioria desses casos. O pneumococo é a principal ameaça, responsável pela maior parte das meningites bacterianas e pela letalidade mais alta. O meningococo possui 12 subtipos, sendo que cinco deles (A, B, C, W e Y) são os mais importantes. Embora cause menos casos que o pneumococo, também é extremamente perigoso. Vem mudando de perfil: o sorogrupo B tem crescido enquanto o sorogrupo C diminuiu. Já o Haemophilus influenzae tipo B, que décadas atrás era uma das principais causas, hoje representa poucos casos graças à vacina pentavalente (que também protege contra difteria, tétano, coqueluche e hepatite B), iniciada nos anos 1990.²

Entre os meningococos com sorogrupo identificado, o tipo B passou a dominar. Hoje responde por 56% desses casos, enquanto o tipo C, que já foi o mais comum, caiu para 33%.²

Meningite bacteriana: como as bactérias atacam

Como essas bactérias agem? O pneumococo (Streptococcus pneumoniae), o Haemophilus influenzae tipo B e o meningococo (Neisseria meningitidis) são as três principais.⁵ Quando conseguem invadir a corrente sanguínea e atingir as meninges — as membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal —, provocam o que os médicos chamam de “doença invasiva”, uma infecção generalizada potencialmente fatal.⁴

O pneumococo é a bactéria que mais causa meningite bacteriana no Brasil. Até setembro do ano passado, foram 874 casos (27% do total) com uma letalidade alarmante de 30,4% — ou seja, três em cada dez pacientes morrem mesmo com tratamento.² Essa bactéria costuma atacar crianças pequenas e idosos, grupos com sistemas imunológicos mais frágeis.

O meningococo é diferente. Possui 12 subtipos (chamados sorogrupos), mas cinco deles — A, B, C, W e Y — são responsáveis pela maioria das doenças.⁶ Cada um produz uma cápsula protetora de açúcares complexos distinta, como se vestisse um uniforme diferente. É justamente essa cápsula que determina contra qual tipo as vacinas vão funcionar.

Por muitos anos, o sorogrupo C foi o tipo mais frequente no Brasil. A vacina contra ele entrou no calendário público infantil em 2010, e os resultados foram impressionantes.⁷ Em menores de um ano, a incidência caiu 17 vezes entre 2010 e 2024.² Uma conquista importante das políticas de imunização.

Mas o cenário mudou nos últimos anos. Enquanto o tipo C recuava, o tipo B começou a ganhar espaço no país.

Meningite em bebês e adolescentes: grupos de risco

Bebês com menos de um ano estão entre os grupos mais vulneráveis. Dados do Ministério da Saúde mostram que até setembro do ano passado a taxa de incidência nessa faixa etária foi 8,2 vezes maior que na população geral — 12,3 casos para cada 100 mil bebês contra 1,5 casos para cada 100 mil habitantes no total.² A letalidade entre os bebês chegou a 15,6%.²

A explicação está na imaturidade do sistema imunológico. Recém-nascidos e lactentes ainda não desenvolveram defesas robustas contra invasores como a Neisseria meningitidis.⁸ A bactéria se aproveita dessa fragilidade.

Diferente do que muitos pensam, os bebês não são os únicos em risco. Adolescentes também aparecem como grupo vulnerável, embora por razões diferentes. Eles costumam ser portadores assintomáticos da bactéria na garganta e podem transmiti-la através de gotículas respiratórias — ao falar, tossir, espirrar ou compartilhar objetos levados à boca.⁶ Ambientes fechados e aglomerados, tão comuns nessa fase da vida, facilitam a transmissão.

Vacinas contra meningite: tipos e disponibilidade

No Brasil, o calendário vacinal público oferece proteção contra diferentes causas de meningite bacteriana.

O SUS oferece gratuitamente a VPC10 (vacina pneumocócica 10-valente) para crianças menores de 5 anos e grupos de risco — ela protege contra 10 tipos de pneumococo. Na rede privada, está disponível a VPC13, que protege contra 13 tipos, e para adultos existem versões com cobertura ainda maior (VPC15 e VPC20).⁵,⁷

Essa proteção é crucial: o pneumococo é responsável pela maior parte das meningites bacterianas no país e pela maior letalidade — 30,4% dos infectados morrem, mesmo com tratamento.²

A proteção contra o Haemophilus influenzae tipo B está no calendário público desde 1999, aplicada através da vacina pentavalente — aquela que também protege contra difteria, tétano, coqueluche e hepatite B.⁷ O resultado dessa vacinação universal? Até setembro do ano passado, foram apenas 110 casos dessa forma de meningite, representando 3,4% do total.² Na rede privada, essa proteção está disponível na vacina hexavalente, que adiciona também a proteção contra poliomielite.

Nas vacinas meningocócicas, o calendário passou por mudanças importantes nos últimos anos. Crianças aos 3 e 5 meses de idade (com reforço aos 12 meses) recebem a vacina meningocócica C conjugada no SUS.⁷ Em 2020, adolescentes de 11 a 12 anos começaram a receber a vacina meningocócica ACWY, que protege contra quatro tipos: A, C, W e Y. Em 2024, essa faixa etária foi ampliada para 11 a 14 anos. E em 2025, a ACWY entrou no esquema infantil, com dose aos 12 meses.⁷

Na rede privada, a vacina ACWY pode ser aplicada a partir dos 3 meses de idade (esquema de duas ou três doses, dependendo da idade de início, com reforços aos 12 meses e entre 5-6 anos).¹⁰

A vacina contra meningococo B é desenvolvida com uma tecnologia diferente das outras vacinas meningocócicas. Enquanto as vacinas contra os tipos A, C, W e Y usam a cápsula polissacarídica da bactéria, a vacina do tipo B utiliza proteínas da superfície do meningococo. Isso porque a cápsula do tipo B é estruturalmente semelhante a moléculas presentes no tecido neural humano, o que poderia resultar em baixa resposta imune ou reações autoimunes.⁶

Estudos mostram que a vacina contra meningococo B tem efetividade de 76% em bebês e crianças completamente vacinados.⁹ Sociedades médicas como a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendam a vacinação contra o meningococo B a partir dos 3 meses de idade.¹⁰ O esquema varia conforme a idade: início aos 3 meses requer três doses iniciais mais um reforço; início aos 6 meses requer duas doses mais reforço; início após 1 ano de idade requer apenas duas doses, sem necessidade de reforço.¹⁰

Sequelas da meningite: riscos e recuperação

As consequências da doença vão muito além do risco de morte. Entre sobreviventes adultos, até 20% desenvolvem sequelas permanentes: perda auditiva, deficiências motoras, dificuldades cognitivas, amputações de membros por necrose, cicatrizes extensas na pele.¹¹

Em bebês, esse risco salta para 50%, porque o sistema nervoso ainda está se formando.¹² São crianças que precisarão de acompanhamento médico pelo resto da vida, reabilitação prolongada, adaptações escolares, apoio psicológico para elas e suas famílias.

Além disso, existem sequelas que não se veem. Estudos mostram que sobreviventes de meningite apresentam taxas mais altas de ansiedade, dificuldades de aprendizado e problemas comportamentais.¹¹ O trauma de uma doença tão agressiva deixa marcas que vão além do corpo.

O plano para derrotar a meningite até 2030

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu em 2021 uma meta ambiciosa: derrotar as meningites até 2030.¹³ O plano inclui cinco pilares: prevenção e controle de epidemias, diagnóstico e tratamento rápidos, vigilância epidemiológica eficiente, suporte aos sobreviventes e conscientização da população.

No Brasil, o Ministério da Saúde publicou em novembro de 2024 um documento alinhado a essas diretrizes. Entre as metas: reduzir em 70% o número de casos e em 50% a letalidade por meningites bacterianas, além de garantir acesso universal ao diagnóstico e tratamento.¹⁴ Agora o desafio é transformar intenções em ações concretas.

Para os pais, a recomendação é clara: mantenham o calendário vacinal dos filhos em dia. As vacinas disponíveis no sistema público já oferecem proteção significativa contra vários tipos de meningite. Se houver condições financeiras, conversar com o pediatra sobre a vacinação complementar na rede privada pode ser uma opção válida.

O calendário vacinal completo está disponível nos sites do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria.⁷,¹⁰ A vacina contra meningite B pode ser encontrada em clínicas privadas.

O paradoxo do sucesso vacinal

Há um paradoxo que merece reflexão. Campanhas de vacinação bem-sucedidas frequentemente se tornam vítimas do próprio êxito. Quando uma doença praticamente desaparece, a população tende a esquecer o quanto ela era perigosa. O medo diminui, a adesão vacinal cai, e abrem-se brechas para o retorno de velhos inimigos.

Não podemos deixar isso acontecer com a meningite. Os dados recentes mostram que a ameaça permanece real — apenas mudou de perfil. O sorogrupo B apresenta gravidade semelhante ao C, mas está circulando mais, e temos menos pessoas protegidas contra ele.

A prevenção da meningite através da vacinação já demonstrou resultados extraordinários. A ciência fez sua parte, desenvolvendo vacinas seguras e eficazes. Mas, enquanto houver crianças morrendo de uma doença que pode ser prevenida, o trabalho não estará completo. 

Para Levar a Sério

  • A meningite bacteriana pode matar em 24 horas.
  • No Brasil, a taxa de letalidade chega a 21,9% — mais que o dobro da média internacional.
  • Três bactérias causam a maioria dos casos: pneumococo, meningococo e Haemophilus influenzae.
  • O meningococo tipo B cresceu e hoje responde por 56% dos casos entre os meningococos identificados.
  • Bebês menores de 1 ano têm risco 8 vezes maior que a população geral.
  • O SUS oferece vacinas contra pneumococo (VPC10), Haemophilus (pentavalente), meningococo C e ACWY.
  • Desde julho de 2025, bebês recebem a vacina ACWY aos 12 meses no calendário público.
  • A vacina contra meningococo B está disponível apenas na rede privada.
  • Uma em cada cinco crianças que sobrevivem fica com sequelas permanentes.
  • Em bebês, o risco de sequelas salta para 50%.
  • Mantenha o calendário vacinal dos filhos em dia e converse com o pediatra sobre proteção adicional.

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  1. Thompson MJ, Ninis N, Perera R, et al. Clinical recognition of meningococcal disease in children and adolescents. Lancet. 2006;367(9508):397-403. doi:10.1016/S0140-6736(06)68060-3. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(06)68060-3
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Painel Epidemiológico de Meningite. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/cnie/painel-meningite Acesso em: novembro 2025.
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Informe Epidemiológico – Meningites. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/m/meningite/situacao-epidemiologica/dados-epidemiologicos/informe-meningite.pdf
  4. World Health Organization (WHO). Meningitis. Fact Sheet. Geneva: WHO; 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/meningitis
  5. Instituto Adolfo Lutz. Vigilância das Pneumonias e Meningites Bacterianas. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.ial.sp.gov.br/resources/insituto-adolfo-lutz/publicacoes/utf-8crudos-ial_2024_portal.pdf
  6. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Meningococcal Disease: Causes and Transmission. Atlanta: CDC; 2024. Disponível em: https://www.cdc.gov/meningococcal/about/causes-transmission.html
  7. Brasil. Ministério da Saúde. Nota Técnica Conjunta nº 154/2024-DPNI/SVSA/MS. Atualização das definições e condutas de vigilância, prevenção e controle das meningites. Brasília: Ministério da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-conjunta-no-154-2024-dpni-svsa-ms.pdf
  8. Judelsohn R, et al. The Burden of Infant Meningococcal Disease in the United States. J Pediatric Infect Dis Soc. 2012;1(1):64-73. doi:10.1093/jpids/pir029. Disponível em: https://doi.org/10.1093/jpids/pir029
  9. Castilla J, García Cenoz M, Abad R, et al. Effectiveness of a Meningococcal Group B Vaccine (4CMenB) in Children. N Engl J Med. 2023;388(5):427-438. doi:10.1056/NEJMoa2206433. Disponível em: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2206433
  10. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Calendário de Vacinação SBP: Atualização 2024/2025. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24727d-DC_Calendario_Vacinacao_-_Atualizacao_2024.pdf Acesso em: novembro 2025.
  11. Olbrich KJ, et al. Systematic Review of Invasive Meningococcal Disease: Sequelae and Quality of Life Impact on Patients and Their Caregivers. Infect Dis Ther. 2018;7(4):421-438. doi:10.1007/s40121-018-0213-2. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s40121-018-0213-2
  12. Wang B, et al. The Clinical Burden and Predictors of Sequelae Following Invasive Meningococcal Disease in Australian Children. Pediatr Infect Dis J. 2014;33(3):316-318. doi:10.1097/INF.0000000000000175. Disponível em: https://doi.org/10.1097/INF.0000000000000175
  13. World Health Organization (WHO). Defeating Meningitis by 2030: A Global Roadmap. Geneva: WHO; 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026407
  14. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para Enfrentamento das Meningites até 2030. Brasília: Ministério da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-e-manuais/2024/diretrizes-para-enfrentamento-das-meningites-ate-2030.pdf
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Deborah Lima

Jornalista do Saúde a Sério

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