
A dengue está de volta ao topo das preocupações nacionais. Os números explicam por quê: em 2024, o Brasil registrou cerca de 6,5 milhões de casos prováveis da doença e quase 6 mil mortes. Não é novidade — o país convive com o Aedes aegypti há décadas. Mas algo mudou. Os casos explodiram, as formas graves ficaram mais frequentes e qualquer febre passou a acender um sinal de alerta.
Entender por que isso acontece exige olhar além do mosquito. Não basta apenas usar repelente ou tampar caixas d’água, embora essas medidas continuem essenciais. Mudanças climáticas, crescimento desordenado das cidades, circulação de diferentes versões do vírus e até nossa capacidade de reconhecer os sinais do corpo antes que seja tarde demais — tudo isso conta.
Existem quatro tipos diferentes do vírus, chamados sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.¹ Todos pertencem à família dos flavivírus e causam desde infecções leves até quadros graves. A primeira infecção geralmente confere imunidade duradoura contra aquele sorotipo específico. O problema se agrava na segunda: a resposta imunológica vira contra o corpo e, paradoxalmente, aumenta o risco de formas graves como a dengue hemorrágica.²
Esse fenômeno, conhecido como facilitação dependente de anticorpos, explica por que regiões onde vários sorotipos circulam ao mesmo tempo registram mais casos graves. No Brasil, os quatro tipos já foram documentados em diferentes estados, criando um cenário epidemiológico complexo.¹ Quando múltiplas versões do vírus coexistem, o risco se multiplica.
Sintomas e sinais de alarme
Febre alta de início súbito, dor de cabeça intensa, dor atrás dos olhos, dores musculares e articulares, prostração e manchas vermelhas na pele — esse é o quadro clássico.³ Mas os sinais variam muito. Algumas pessoas têm febre discreta e mal-estar leve. Outras ficam acamadas por dias. E em certos casos aparecem sinais de alarme: dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, sangramento de mucosas, sonolência ou irritabilidade excessiva.³
Esses sinais indicam que a doença está evoluindo para formas graves, com extravasamento de plasma, acúmulo de líquidos em cavidades corporais e choque.³ Nesse momento, hidratação adequada e acompanhamento médico fazem toda a diferença. Não existe tratamento específico — não há antiviral eficaz disponível. O manejo é de suporte: reidratação, controle da dor e da febre com paracetamol ou dipirona, monitoramento de sinais vitais e exames laboratoriais.³ Anti-inflamatórios como ácido acetilsalicílico, ibuprofeno e nimesulida ficam proibidos pelo risco de sangramento.³
Para confirmar o diagnóstico, há exames que detectam antígenos virais, como o teste NS1, ou anticorpos contra o vírus, como as sorologias IgM e IgG.¹ O NS1 funciona melhor nos primeiros cinco dias de sintomas, enquanto os anticorpos aparecem geralmente após o quinto dia.¹ Interpretar esses resultados exige contexto clínico. Em áreas onde a dengue circula o tempo todo, muita gente já teve contato prévio com o vírus, o que torna resultados isolados pouco conclusivos.
Vacinas contra dengue
Desde dezembro de 2023, o Sistema Único de Saúde oferece vacina contra dengue em duas doses com intervalo de três meses.⁴ A estratégia prioriza crianças e adolescentes de 10 a 14 anos em municípios com alta incidência, por ser a faixa etária que concentra maior número de hospitalizações.⁵ Estudos clínicos internacionais mostraram eficácia de 80,2% na prevenção de casos sintomáticos após 12 meses da segunda dose e de 90,4% na redução de hospitalizações 18 meses depois.⁶⁻⁸
Antes dela, outra vacina de três doses havia sido aprovada, mas não entrou no sistema público por uma questão de segurança: pesquisas mostraram que ela aumenta o risco de dengue grave em quem nunca teve contato com o vírus.⁹ Por isso, seu uso ficou restrito apenas a quem já teve dengue comprovadamente — limitação que dificulta aplicação em larga escala.
Enquanto isso, o Brasil avança na produção nacional. O Instituto Butantan desenvolve um imunizante de dose única que, em estudo de fase 3 publicado no New England Journal of Medicine, apresentou eficácia de 79,6% na prevenção de casos sintomáticos.¹⁰ Entre quem nunca teve dengue, a proteção foi de 73,6%; entre quem já teve, subiu para 89,2%.¹⁰ A Anvisa aprovou a vacina em 26 de novembro de 2024, com expectativa de disponibilização futura no sistema público.
Melhor vacinar entre os meses que antecedem o pico da doença, que historicamente ocorre entre março e abril. O país apresenta padrão sazonal, com aumento de casos entre outubro de um ano e maio do seguinte — justamente o período em que estamos agora.¹ Quanto mais cedo a vacinação, melhor. Após 30 dias da primeira dose, já há proteção de cerca de 81%, mas o esquema completo exige duas doses com três meses de intervalo.⁸,¹² Quem se vacina no fim do ano estará protegido quando os casos dispararem.
Mesmo quem já teve dengue deve se vacinar. A vacina disponível no SUS não é indicada para gestantes, lactantes e pessoas com imunodeficiência.⁴ Reações leves como dor no local da aplicação, dor muscular, fraqueza e dor de cabeça são comuns e passam em dois dias.¹¹
Vale reforçar: a vacina é ferramenta poderosa, mas não substitui controle do mosquito, eliminação de criadouros e vigilância epidemiológica. A cobertura vacinal ainda é limitada pela disponibilidade de doses. A vacinação começou em fevereiro de 2024 em 315 municípios e chegou a 1.921 cidades.¹¹ O Ministério da Saúde publicou nota técnica autorizando ampliação temporária da faixa etária para doses próximas ao vencimento, garantindo que todos os imunizantes adquiridos cheguem à população.¹¹
Prevenir a dengue ainda depende muito de eliminar água parada. Pneus velhos acumulam água de chuva, vasos de plantas viram criadouros se não tiverem areia, calhas entupidas retêm umidade, garrafas esquecidas no quintal se transformam em berçários de mosquitos. Qualquer recipiente com água limpa vira criadouro. O Aedes aegypti se reproduz rápido — a fêmea, que é quem pica, deposita centenas de ovos ao longo da vida.¹
Mas a responsabilidade não recai apenas sobre o indivíduo. Dengue é problema de saúde pública que exige políticas integradas: saneamento básico, coleta regular de lixo, educação em saúde, vigilância entomológica, pesquisa científica e infraestrutura para atendimento nos momentos de pico. Cobrar das pessoas que tampem a caixa d’água sem oferecer coleta de esgoto, água tratada e urbanização adequada é transferir para o cidadão uma responsabilidade que é, antes de tudo, do Estado. A doença expõe fragilidades estruturais. Não escolhe classe social, mas atinge com mais força quem vive em condições precárias, quem não tem acesso rápido a serviços de saúde, quem mora em áreas sem infraestrutura básica.
Reconhecer os sintomas e procurar atendimento ao menor sinal de alarme são atitudes que salvam vidas. Mas a solução definitiva passa por transformações mais amplas — cidades mais saudáveis, políticas públicas consistentes e compromisso coletivo com a saúde de todos. Enquanto isso, combater o mosquito continua sendo tarefa de cada dia.
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- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/dengue/dengue-diagnostico-e-manejo-clinico-adulto-e-crianca
- Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde incorpora vacina contra a dengue no SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 21 dez 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/ministerio-da-saude-incorpora-vacina-contra-a-dengue-no-sus
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- Brasil. Ministério da Saúde. Quantas doses da vacina dengue (atenuada) são necessárias para completar o esquema vacinal? Brasília: Ministério da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dengue/faq/vacinacao/quantas-doses-da-vacina-dengue
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- Kallas EG, Cintra MAT, Moreira JA, Palacios EGP, Berezin PE, Veras JCT, et al. Live, attenuated, tetravalent Butantan-dengue vaccine in children and adults. N Engl J Med. 2024;390(5):397-408. doi: 10.1056/NEJMoa2301790
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- Portal Fiocruz. Qual é a proteção oferecida pela primeira dose da vacina contra dengue e quanto tempo dura? Rio de Janeiro: Fiocruz; 2024. Disponível em: https://fiocruz.br/pergunta/qual-e-protecao-oferecida-pela-primeira-dose-da-vacina-contra-dengue-e-quanto-tempo-dura