Doppler oftálmico não é exame de rotina na gestação — entenda os motivos

Método é promissor, mas segue experimental e não pode ser usado isoladamente na predição da pré-eclâmpsia

Tempo de Leitura: 4 minutos

A imagem de um ultrassom feito diretamente nos olhos para prever a pré-eclâmpsia — uma complicação hipertensiva que pode evoluir rapidamente durante a gestação — ganhou espaço nas redes sociais e levantou dúvidas entre gestantes. O chamado Doppler oftálmico despertou curiosidade e, ao mesmo tempo, levantou questionamentos sobre seu real papel no acompanhamento da saúde materna. A ideia parecia simples: um exame rápido, capaz de antecipar riscos. Mas, fora do ambiente digital, a história é bem mais complexa.

Para a médica especialista em medicina fetal Dra. Angélica L. Debs Diniz, o exame tem base fisiológica e um raciocínio clínico interessante, mas precisa ser entendido dentro de seus limites atuais. Ela esclarece que “existe um tipo de ultrassom feito nos olhos que serve para identificar a artéria oftálmica, uma artéria do sistema nervoso central acessada de forma periférica, que pode auxiliar no diagnóstico da pré-eclâmpsia.” O método utiliza Doppler, tecnologia que avalia velocidade, direção e resistência do fluxo sanguíneo. No caso do Doppler oftálmico, essa medição é feita com um transdutor específico, sempre por profissional treinado. Segundo a especialista, quando realizado de forma adequada, o procedimento é seguro tanto para a gestante quanto para os olhos.

Como funciona o Doppler oftálmico na gestação

O nome técnico do exame é Dopplerfluxometria das artérias oftálmicas. Ele é feito nos dois olhos e avalia como o sangue circula nesta região. “Estudamos o padrão de fluxo para entendermos a perfusão cerebral da mulher, o que, indiretamente, dá pistas sobre a resistência vascular periférica e a função do coração”, explica a médica.

Essa relação ajuda a entender por que o método vem chamando atenção de pesquisadores. Alterações na resistência vascular fazem parte do processo que leva à pré-eclâmpsia, e qualquer marcador que permita identificar sinais precoces naturalmente desperta interesse. Mesmo assim, trata-se de um método ainda em estudo no campo da predição da pré-eclâmpsia. “Esse é um método usado como estudo experimental. Muitas evidências ainda estão sendo construídas”, afirma.

Apesar do potencial, o Doppler oftálmico não integra os exames de rotina na gestação. Ainda faltam validação formal, padronização da técnica e estudos multicêntricos que confirmem sua aplicação no rastreamento da pré-eclâmpsia. No momento, o exame também não consta em protocolos formais de rastreamento adotados por sociedades médicas.

O que já está validado no rastreamento da pré-eclâmpsia — e onde o exame não se encaixa

Quando se observa o que já é bem estabelecido na obstetrícia, a diferença fica evidente. “Existe evidência sólida de que o Doppler da artéria uterina, feito por profissional qualificado, auxilia no diagnóstico da pré-eclâmpsia”, diz a especialista. Esse exame integra modelos robustos que combinam histórico clínico, pressão arterial média e biomarcadores em situações específicas.

Enquanto isso, nas redes sociais, surgiram orientações para que gestantes exijam o Doppler da artéria oftálmica em todos os trimestres, como se ele fizesse parte do rastreamento obrigatório. A interpretação é incorreta. “Predição é muito diferente de diagnóstico”, destaca a médica. “Dizer que o Doppler oftálmico prevê quem terá pré-eclâmpsia não é validado. A doença é complexa e usamos modelos multivariados, nunca um exame isolado.” Esses modelos reúnem fatores como histórico clínico, pressão arterial e biomarcadores, porque a pré-eclâmpsia não depende de um único elemento.

Na prática, portanto, o Doppler oftálmico não substitui os métodos validados de predição da pré-eclâmpsia, e seu uso isolado não deve ser recomendado. Quando a especialista menciona que o exame pode “auxiliar no diagnóstico da pré-eclâmpsia”, trata-se de um uso restrito a situações específicas onde a gestante é portadora de doenças crônicas ou agudas que confundem a definição do diagnóstico com os recursos formais habitualmente utilizados.

Como a desinformação afeta exames e decisões na gestação

A circulação de conteúdos imprecisos tem impactos reais. “O primeiro risco é a ansiedade, pela busca de um método ouro que ainda não existe. O segundo é o médico desinformado fazer uma overdose de predição, dizendo que a mulher tem risco baseado só no Doppler oftálmico e prescrevendo medicamentos de forma desnecessária”, alerta.

Ela reforça que a predição atual da pré-eclâmpsia segue critérios bem estabelecidos. “A predição envolve anamnese, pressão arterial média, Doppler das artérias uterinas e, quando disponível, biomarcadores como o PLGF”, substância relacionada ao desenvolvimento da placenta. Já o diagnóstico considera hipertensão de início recente após 20 semanas, acompanhada de proteinúria ou sinais de lesão de órgãos-alvo. Exames laboratoriais completam a avaliação, analisando função renal, hepática e plaquetas.

Segundo a médica, nenhum desses elementos pode ser substituído por um exame isolado nos olhos. Isso não significa que o Doppler oftálmico esteja descartado. “Ele é um marcador biofísico promissor para predição, diagnóstico e manejo das formas graves da pré-eclâmpsia. Mas precisamos de estudos grandes, multicêntricos, com validação para nossa população”, explica.

Até que esse desenvolvimento avance, o caminho mais seguro permanece o de sempre: informação confiável, acompanhamento regular e confiança nos exames de rotina já validados. Entre inovação e prudência, a medicina segue avançando no seu ritmo — e é nesse equilíbrio, sustentado por evidências e pelo cuidado atento, que as gestantes encontram proteção real no rastreamento da pré-eclâmpsia.

Para Levar a Sério

– O Doppler oftálmico existe, mas ainda é um método em estudo, sem validação para uso de rotina na predição da pré-eclâmpsia no primeiro trimestre.
– Apesar do interesse crescente, o exame não substitui os métodos já comprovados para rastreamento da pré-eclâmpsia.
– A predição atual combina histórico clínico, pressão arterial média, Doppler das artérias uterinas e, quando disponível, biomarcadores como o PLGF.
– Não há evidências de que o Doppler oftálmico, isoladamente, consiga prever quem terá pré-eclâmpsia.
– O uso incorreto do exame pode gerar ansiedade, diagnósticos imprecisos e até prescrições desnecessárias.
– Pesquisas seguem em andamento, e o método é considerado promissor, mas ainda precisa de validação e estudos maiores.
– Até lá, o mais seguro é confiar nos exames de rotina, no acompanhamento médico regular e em informações qualificadas.

Deborah Lima

Jornalista do Saúde a Sério

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