Sono ideal está mudando: novas evidências questionam recomendações

Novas evidências indicam que qualidade e regularidade são tão importantes quanto a duração

Qualidade e regularidade do sono ganham peso em estudos recentes e apontam para uma nova abordagem na prática clínica

Durante muito tempo, recomendava-se que adultos dormissem entre sete e nove horas por noite para preservar a saúde física e mental. Mas estudos recentes vêm ampliando o entendimento sobre o que, de fato, significa um “sono ideal”. Pesquisas robustas indicam que não é apenas o número de horas que conta: a regularidade dos horários de dormir e acordar, assim como a qualidade do sono, têm impacto significativo sobre a mortalidade, o risco cardiovascular, as doenças metabólicas e os transtornos mentais.

Essa mudança de paradigma não começou agora. Já em 2018, um artigo publicado na Sleep Health propôs que a relação entre sono e saúde fosse repensada. Os autores argumentaram que o sono não deve ser analisado apenas por sua duração, mas como um fenômeno complexo e multidimensional — com componentes como qualidade percebida, variabilidade, eficiência e regularidade ao longo das 24 horas do dia¹. Essa proposta teórica ajudou a pavimentar o caminho para estudos posteriores, com foco em dados objetivos.

Estudos observacionais mais recentes passaram a quantificar os impactos clínicos do sono prolongado ou irregular. Uma metanálise com mais de cinco milhões de participantes, publicada no Journal of the American Heart Association, concluiu que dormir acima da média está associado a um aumento significativo no risco de mortalidade (39%), diabetes tipo 2 (26%), doenças cardiovasculares (25%), acidente vascular cerebral (46%), doença coronariana (24%) e obesidade (8%)². A associação com hipertensão, nesse caso, não foi estatisticamente significativa.

Uma revisão sistemática de metanálises publicada na Frontiers in Medicine reforçou esses achados ao apontar que dormir por longos períodos — mais de oito ou nove horas — está associado a um risco aumentado de morte por todas as causas. Essa associação foi classificada como de evidência “altamente sugestiva”, o nível mais forte dentro da metodologia utilizada³. Já a relação entre sono curto e obesidade, ou entre baixa qualidade do sono e risco de diabetes tipo 2, teve evidências consideradas apenas sugestivas ou fracas. Esses achados ajudam a consolidar a ideia de que tanto a privação quanto o excesso de sono podem ser prejudiciais à saúde. No entanto, a literatura mais recente indica que não é apenas a duração que importa — a forma como o sono se distribui ao longo dos dias também desempenha um papel crítico.

Regularidade do sono: um fator clínico cada vez mais relevante

Essa abordagem mais refinada considera que um sono supostamente “adequado” em quantidade pode, ainda assim, ser prejudicial se ocorrer em horários instáveis, com interrupções frequentes ou fora do ciclo biológico habitual.

Uma pesquisa publicada em 2024 na Nature Medicine acompanhou mais de 70 mil pessoas por meio de dispositivos vestíveis integrados a registros eletrônicos de saúde. Os dados revelam que dormir em horários irregulares, mesmo com número adequado de horas por noite, está associado a um aumento significativo na incidência de doenças como hipertensão, diabetes tipo 2, ansiedade e depressão⁴. A regularidade, nesses casos, mostrou-se tão ou mais relevante do que a própria quantidade de horas dormidas. O padrão identificado nos dados seguiu o formato de uma curva J: tanto a restrição quanto o excesso de sono se relacionaram a piores desfechos clínicos. Já uma rotina com horário estável para dormir e acordar foi associada a menor risco de adoecimento.

Outro levantamento, com base em dados do UK Biobank, reforça esse alerta. Conduzido pelo Massachusetts General Hospital, o estudo observou 88 mil indivíduos e identificou risco aumentado para 172 diferentes doenças em pessoas com padrões de sono irregulares⁵. As condições mais afetadas incluem doenças cardiovasculares, respiratórias, metabólicas e psiquiátricas.

Além das evidências internacionais, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) também reconhece a importância clínica dos distúrbios do sono na saúde cardiovascular. Em seu primeiro posicionamento oficial sobre o tema, publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a entidade alertou que a apneia obstrutiva do sono frequentemente passa despercebida em pacientes com doenças cardíacas. A presença da apneia, especialmente quando associada à insuficiência cardíaca, pode dobrar o risco de mortalidade. A SBC também destaca que condições como insônia e privação de sono contribuem para o aumento do risco de doenças do coração e dos vasos sanguíneos⁶.

Embora as recomendações internacionais ainda mantenham a faixa entre sete e nove horas como ideal para adultos, as evidências mais recentes sugerem que algo em torno de sete horas por noite pode ser suficiente — desde que essa rotina seja estável e o sono, de boa qualidade⁷. Dormir nove horas em horários flutuantes, por exemplo, pode ser mais prejudicial do que dormir seis horas e meia todos os dias no mesmo horário, com sono contínuo e reparador.

O novo entendimento sobre o sono desafia o modelo tradicional de prescrição baseada exclusivamente em tempo. Ele aponta para uma abordagem mais integrada, que leve em conta não apenas quanto se dorme, mas como se dorme. A anamnese, nesse contexto, precisa evoluir para incluir questões sobre horários regulares, percepção subjetiva de descanso e possíveis fatores que atrapalham a continuidade do sono. O que antes era visto como uma rotina pessoal, hoje é cada vez mais entendido como parte da avaliação clínica.

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