Adoçantes artificiais aceleram o declínio cognitivo?

Estudos no Brasil e no exterior levantam suspeitas de que o uso frequente de adoçantes pode estar associado a riscos para memória e raciocínio, mas ainda não há consenso definitivo

Tempo de Leitura: 4 minutos

Eles estão em refrigerantes, sobremesas, iogurtes e até medicamentos. Adoçantes artificiais fazem parte da rotina de milhões de brasileiros que buscam alternativas ao açúcar. Pesquisas recentes, no entanto, vêm levantando dúvidas sobre possíveis efeitos dessas substâncias no funcionamento do cérebro e sobre como o consumo de adoçantes pode influenciar memória e raciocínio.

\Evidências atuais indicam uma possível relação entre a ingestão frequente de adoçantes artificiais e o declínio cognitivo. Em 2025, pesquisadores brasileiros publicaram na Neurology — revista oficial da Academia Americana de Neurologia (AAN) — o maior estudo nacional sobre o tema¹. O trabalho acompanhou 12.772 pessoas por oito anos, avaliando hábitos alimentares e desempenho em testes de memória, raciocínio e fluência verbal. Quem consumia mais adoçantes apresentou declínio cognitivo 62% mais rápido¹, ou seja, a perda de memória e raciocínio aconteceu em menos tempo entre esses participantes em comparação aos que não usavam adoçantes. Os efeitos foram mais evidentes em áreas de linguagem, como a dificuldade de encontrar palavras no dia a dia. Trata-se de um estudo observacional: mostra associação, não prova causa e efeito.

O artigo também aponta limitações que pedem leitura cautelosa: uso de questionários alimentares autorrelatados, possibilidade de confundidores (estilo de vida, doenças crônicas) e perdas de seguimento ao longo do tempo.

Evidências internacionais

Resultados semelhantes foram observados em outras populações. O Framingham Heart Study — um dos projetos de pesquisa em saúde mais longevos — acompanha há mais de 70 anos moradores de Framingham, nos Estados Unidos. Em uma análise publicada em 2017 na Stroke, da American Heart Association/American Stroke Association, pesquisadores seguiram 1.484 pessoas por uma década e encontraram associação entre o uso diário de bebidas adoçadas artificialmente e quase três vezes mais risco² de demência, incluindo Alzheimer. Outros estudos, por outro lado, não confirmaram essa relação, mostrando que ainda não há consenso definitivo.

Essas publicações ampliam a discussão sobre produtos “diet” e “zero”, sugerindo que seus efeitos podem ir além da contagem de calorias.

Possíveis mecanismos no cérebro

Os caminhos biológicos ainda não estão totalmente definidos, mas há hipóteses em estudo. O aspartame é metabolizado em fenilalanina, ácido aspártico e metanol; em altas concentrações, o ácido aspártico pode agir como excitotoxina, estimulando neurônios de forma excessiva³. Outro ponto investigado é o estresse oxidativo — um “enferrujamento” celular provocado por radicais livres. Pesquisas associam sacarina e sucralose ao aumento desse processo, que pode prejudicar o funcionamento cerebral⁴. Há ainda indícios experimentais de que a exposição prolongada possa afetar a barreira hematoencefálica, filtro natural que protege o cérebro contra toxinas.

Em modelos animais, um estudo na Scientific Reports sugeriu que déficits de memória ligados ao consumo de aspartame podem ser transmitidos à geração seguinte por alterações no DNA dos espermatozoides⁵. É um achado preliminar, mas que abre espaço para investigar possíveis efeitos intergeracionais.

O que isso significa na prática

Nada indica que o uso eventual de adoçantes, por si só, cause problemas cognitivos. O que os dados sugerem é que o uso contínuo e em altas quantidades pode estar associado a riscos que merecem atenção, enquanto novas pesquisas avançam. Até agora, não há consenso sobre uma quantidade “segura” do ponto de vista cognitivo.

As Ingestões Diárias Aceitáveis (IDAs) definidas por agências regulatórias — como Anvisa (Brasil), FDA (Estados Unidos) e EFSA (Europa) — baseiam-se principalmente em toxicidade geral e efeitos metabólicos, não em desfechos cognitivos. Para referência, a IDA do aspartame é 40 mg por quilo de peso corporal por dia, e a da sucralose é 15 mg por quilo de peso corporal por dia. Na prática, isso significa que uma pessoa de 70 kg poderia consumir até 2 litros de refrigerante “diet” por dia sem ultrapassar a IDA do aspartame — mas esses limites não levam em conta possíveis impactos no cérebro.

Diante dessas incertezas, a recomendação dominante é a moderação: reduzir ultraprocessados, priorizar alimentos in natura e, quando necessário, discutir alternativas com profissionais de saúde. Relatórios de mercado e dados de saúde pública apontam que o Brasil figura entre os países com maior consumo de adoçantes, especialmente em refrigerantes e produtos “zero”, o que torna a discussão sobre seus efeitos na saúde cerebral ainda mais relevante para políticas públicas e para escolhas individuais informadas.

Para Levar a Sério

  • Pesquisas no Brasil e em outros países apontam associação entre uso frequente de adoçantes artificiais e maior declínio cognitivo.
  • O efeito não é prova de causa e efeito: os estudos mostram correlação, mas não determinam que adoçantes causem perda de memória.
  • Aspartame, sacarina e sucralose estão entre os mais investigados, com hipóteses de ação ligadas ao estresse oxidativo, à barreira hematoencefálica e até a efeitos herdados em gerações futuras.
  • As IDAs atuais foram definidas com base em toxicidade geral, não em possíveis impactos cognitivos.
  • O consumo eventual não parece problemático, mas o uso diário e em grandes quantidades pede cautela.
  • O Brasil está entre os países que mais consomem adoçantes, o que reforça a importância do debate público e da orientação profissional.

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Referências

  1. Gonçalves NG, et al. Association Between Consumption of Low- and No-Calorie Artificial Sweeteners and Cognitive Decline. Neurology. 2025. https://www.neurology.org/doi/10.1212/WNL.0000000000214023
  2. Pase MP, et al. Sugar- and artificially-sweetened beverages and the risks of incident stroke and dementia: a prospective cohort study. Stroke. 2017;48(5):1139-1146. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5405737/
  3. Dar W, et al. Aspartame-induced cognitive dysfunction: Unveiling role of microglia-mediated neuroinflammation and molecular remediation. International Immunopharmacology. 2024;127:112296. https://doi.org/10.1016/j.intimp.2024.112296
  4. Choudhary AK. Artificial Sweeteners on Brain Health: Neurovascular Changes and Cognitive Decline in Indian Population. Medical Research Archives. 2025;13(1). https://esmed.org/MRA/mra/article/view/6388
  5. Jones SK, et al. Learning and memory deficits produced by aspartame are heritable via the paternal lineage. Scientific Reports. 2023;13:15437. https://www.nature.com/articles/s41598-023-41213-2
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Eduardo A. Amaro

Psicólogo especializado em neurociência e comportamento humano pela PUC-SP, com atuação dedicada à promoção da saúde mental no contexto hospitalar e materno-infantil.

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