Coçar sem parar não é “só nervoso”

Estresse pode piorar as crises, mas não causa a doença; manejo deve considerar pele, sistema imune e saúde mental

Estresse pode piorar as crises, mas não causa a doença; manejo deve considerar pele, sistema imune e saúde mental.

A coceira que não passa, a pele vermelha e o ressecamento não são “coisa da cabeça”. Na dermatite atópica, a pele perde parte da sua função de proteção — como se o “muro” que nos defende tivesse frestas —, o equilíbrio dos micróbios que vivem na pele se altera e o sistema de defesa do corpo libera sinais químicos (mensageiros como IL-4 e IL-13) que aumentam a inflamação e a coceira. Esse panorama foi descrito em 2021 pela dermatologista Sonja Ständer, da Universidade de Münster, em uma revisão publicada no New England Journal of Medicine

Embora a dermatite atópica não seja causada por fatores emocionais, eles podem piorar as crises. Sob tensão psicológica, o organismo aciona seu sistema de resposta, liberando hormônios e substâncias que fragilizam a barreira da pele e intensificam a inflamação e a coceira. Um estudo liderado por Tzu-Kai Lin mostrou esse mecanismo em 2017 no International Journal of Molecular Sciences.² Em 2024, Nicole B. Khalil e colegas reuniram as evidências no Journal of Clinical Medicine e demonstraram que emoções negativas e coceira se alimentam mutuamente: a tensão amplia o prurido; coçar machuca a pele e isso retroalimenta o quadro.³ Essa conversa entre pele e cérebro já é descrita há anos na psicodermatologia, como na revisão de Paus, Theoharides e Arck no Trends in Immunology.⁴

No Brasil, em 2024, o Inquérito Epidemiológico/Dermatológico da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) registrou que a dermatite atópica respondeu por 6,7% dos diagnósticos em consultórios de especialistas, evidenciando a relevância do tema no país.⁵ Em crianças e adolescentes, os impactos psicossociais também são documentados: em 2021, Chloe Kern e equipe publicaram no JAMA Dermatology uma coorte longitudinal com mais de 11 mil participantes mostrando associação entre formas graves da doença, sintomas depressivos e piora do sono.⁶ O conjunto das evidências converge para um ponto: não é “só nervoso”; trata-se de uma doença inflamatória com base científica sólida, que pode ser agravada por fatores emocionais e melhora quando pele e saúde mental são tratadas em conjunto. Coceira que interrompe o sono ou lesões com sinais de infecção — muito vermelhas, doloridas, quentes ou com secreção — exigem avaliação médica.

Tratamentos: do básico aos imunobiológicos

O manejo da dermatite atópica foi tema de consenso publicado em 2024 pelo Joint Task Force on Practice Parameters da American Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI) e do American College of Allergy, Asthma & Immunology (ACAAI), no Annals of Allergy, Asthma & Immunology, que recomenda abordagem escalonada conforme gravidade e resposta individual.⁷ A base do cuidado é a hidratação regular e a restauração da barreira cutânea com emolientes. Durante crises, utilizam-se anti-inflamatórios tópicos, como corticosteroides de baixa a média potência e inibidores de calcineurina (tacrolimo e pimecrolimo), aprovados e utilizados no Brasil. Moléculas mais recentes incluem inibidores de PDE-4; o crisaborol não possui registro na Anvisa até a data de publicação desta matéria (28/08/2025). Formulações tópicas que bloqueiam a via JAK são realidade em EUA/UE para indicações específicas, mas não têm registro para dermatite atópica no Brasil até 28/08/2025.⁸

Quando o tratamento tópico não é suficiente, podem ser indicadas fototerapia ou, nos casos moderados a graves, terapias sistêmicas (por exemplo, imunobiológicos e inibidores de JAK). Entre os imunobiológicos, o dupilumabe — anticorpo monoclonal que bloqueia seletivamente a via IL-4/IL-13 — está aprovado pela Anvisa, com ampliações de indicação desde 2017; ensaios de fase 3 publicados no New England Journal of Medicine demonstraram redução significativa do prurido e melhora clínica em adultos com doença moderada a grave.⁹ ¹⁰ O tralokinumabe, direcionado à IL-13, tem aprovação em agências como a EMA, mas não possui registro no Brasil até 28/08/2025.¹¹

Entre os tratamentos sistêmicos recentes também estão os inibidores de JAK por via oral, como upadacitinibe e abrocitinibe, ambos aprovados pela Anvisa para dermatite atópica moderada a grave em adultos e adolescentes; estudos de fase 3 publicados no The Lancet mostraram resposta rápida e clinicamente relevante. A diretriz americana recomenda monitorização clínica e laboratorial durante o uso dessas terapias.⁷ ¹² ¹³

Em termos práticos, controlar a dermatite atópica envolve combinar cuidados diários de pele com o manejo de gatilhos — inclusive o estresse — e, quando indicado, terapias específicas já registradas no país. A literatura científica descreve de forma consistente os mecanismos da doença e as opções em evolução; o que sustenta resultados é um plano individualizado, com metas de redução do prurido e das lesões, acompanhamento regular e informação de qualidade para o paciente e sua família.


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Deborah Lima

Jornalista do Saúde a Sério

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