
O entupimento das artérias, chamado aterosclerose, é a principal causa de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) no Brasil e no mundo¹. As doenças cardiovasculares responderam por cerca de 21% das mortes no Brasil em 2022, segundo o relatório Estatística Cardiovascular Brasil 2023³. O problema é silencioso, começa cedo e muitas vezes só é descoberto após um evento grave. Para enfrentar esse risco, a Sociedade Brasileira de Cardiologia lançou em setembro de 2025, no Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a nova Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, que substitui a versão de 2017². O documento traz mudanças que influenciam diretamente a forma como os exames de colesterol são avaliados e como os tratamentos devem ser conduzidos.
Metas mais rígidas para o colesterol LDL
A principal alteração está nas metas para o colesterol LDL, chamado de “colesterol ruim”. Em 2017, o valor de referência para pessoas de alto risco — aquelas que já tinham tido infarto ou AVC — era de até 70 mg/dL. Agora, a orientação é mais rígida: esses pacientes devem manter o LDL abaixo de 55 mg/dL. Nos casos de risco extremo, como quando há múltiplos eventos cardiovasculares ou entupimentos em diferentes artérias, a meta passa a ser inferior a 40 mg/dL². É importante destacar que os valores que aparecem nos exames de rotina continuam sendo gerais, mas para pessoas com histórico de doença cardíaca ou cerebral as metas são mais baixas e o tratamento deve ser individualizado. Isso significa que o número que aparece no laudo de laboratório não é necessariamente a meta que o médico vai perseguir. Para algumas pessoas, principalmente quem já teve infarto ou AVC, o objetivo é reduzir ainda mais o colesterol para garantir proteção adicional.
Prevenção precoce e novos exames complementares
Outra novidade da diretriz é a ênfase no cuidado precoce. Crianças e adolescentes com histórico familiar de colesterol alto, obesidade ou doenças relacionadas já podem precisar de acompanhamento. Isso porque o processo de acúmulo de placas nos vasos começa muito antes dos sintomas e pode ser identificado em fases iniciais. Entre adultos jovens, mesmo sem sinais de doença, exames complementares como o escore de cálcio coronário — que mede a presença de cálcio nas artérias do coração, marcador indireto de entupimento — ajudam a definir se há risco aumentado. Esse exame não é indicado para qualquer pessoa, mas pode ser útil em situações de dúvida, quando os fatores de risco não deixam claro se é hora de começar ou intensificar o tratamento².
Além do colesterol tradicional, outros exames passam a ganhar destaque. A apolipoproteína B mede a quantidade de partículas que transportam gordura no sangue. A lipoproteína(a) avalia um tipo específico de colesterol que aumenta o risco de entupimentos mesmo com valores aparentemente normais. Já a proteína C reativa ultrassensível indica inflamação silenciosa nos vasos sanguíneos. A utilização desses marcadores permite identificar diferenças entre pacientes com exames de colesterol semelhantes, oferecendo uma visão mais precisa do risco individual². Além disso, a diretriz destaca o chamado colesterol não-HDL e a apolipoproteína B. Em termos simples, eles dão uma visão mais completa da quantidade de gordura circulando no sangue e ajudam a mostrar se o risco é maior do que parece apenas pelo valor do LDL.
Tratamento medicamentoso e estilo de vida
No tratamento, os medicamentos que reduzem o colesterol continuam sendo fundamentais, mas a forma de usá-los mudou. Até 2017, era comum o uso isolado das estatinas. Agora, a diretriz recomenda que, se o paciente não atingir a meta apenas com elas, outros remédios sejam associados, como a ezetimiba ou drogas mais recentes. Essa estratégia aumenta as chances de alcançar os níveis recomendados sem recorrer a doses muito altas de um único medicamento, o que ajuda a reduzir efeitos colaterais².
Apesar dos avanços, o documento reforça que mudanças de estilo de vida permanecem como base da prevenção. Alimentação equilibrada, atividade física regular, sono adequado, abandono do cigarro e controle do estresse continuam sendo pilares. A diretriz também chama atenção para a necessidade de políticas públicas que ampliem o acesso a exames e medicamentos modernos, evitando que a prevenção cardiovascular seja privilégio de poucos².
O recado final é claro: colesterol alto não causa sintomas, mas aumenta de forma silenciosa o risco de infarto e AVC. O que mudou entre 2017 e 2025 é que agora as metas estão mais rigorosas, o cuidado precisa começar mais cedo e o tratamento deve ser personalizado. Quanto mais baixo e controlado o colesterol LDL, maior a proteção para o coração e o cérebro ao longo da vida².
Para levar a sério…
- O colesterol alto não dá sintomas, mas aumenta silenciosamente o risco de infarto e AVC.
- As metas ficaram mais rígidas: abaixo de 55 mg/dL para alto risco e de 40 mg/dL para risco extremo.
- O cuidado deve começar cedo, até na infância, quando há fatores de risco familiares ou clínicos.
- Novos exames ajudam a revelar riscos que não aparecem no colesterol tradicional.
- Hábitos de vida saudáveis seguem sendo o pilar da prevenção, mesmo com avanços nos medicamentos.
Referências
- Ministério da Saúde. Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2022/doencas-cardiovasculares-principal-causa-de-morte-no-mundo-pode-ser-prevenida. Acesso em 22 set. 2025.
- Rached FH, et al. Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2025. Arq Bras Cardiol. 2025;122(9):e20250640. Disponível em: https://abccardiol.org/wp-content/uploads/2025/09/2025-0640_Diretriz-Brasileira-de-Dislipidemias-e-Prevencao-da-Aterosclerose-%E2%80%93-2025_Port.x66747.pdf. Acesso em 22 set. 2025.
- Oliveira GMM, et al. Estatística Cardiovascular – Brasil 2023. Arq Bras Cardiol. 2024;122(5):e20232205. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abc/a/jzFMcdN5y3w6CtjVgdJdSdR/?lang=pt. Acesso em 22 set. 2025.