Doença de Huntington: rara, hereditária e com primeiras evidências de tratamento

Estudos recentes em terapia genética abrem perspectiva inédita contra a progressão da doença

A doença de Huntington é uma condição rara, transmitida de pais para filhos e progressiva, que provoca degeneração de áreas do cérebro responsáveis pelo movimento, pela memória e pelo comportamento¹. É causada por uma mutação no gene HTT, localizado no cromossomo 4, com expansão de repetições do trinucleotídeo CAG — acima de 36 repetições costuma associar-se à manifestação da enfermidade². Esse defeito leva à produção anômala da proteína huntingtina, que se torna neurotóxica quando acumulada. Os sintomas iniciais da doença de Huntington frequentemente envolvem movimentos involuntários sutis (chamados coreia), lentidão motora, irritabilidade, alterações de humor e declínio cognitivo discreto³.

Transmissão genética e prevalência

A transmissão da doença de Huntington é hereditária: quando um dos pais tem a mutação genética, cada filho tem 50% de chance de herdá-la — padrão chamado de herança autossômica dominante². Estudos internacionais estimam prevalência entre 5 e 10 casos para cada 100 mil habitantes¹. No Brasil, não há estatísticas nacionais consolidadas, mas levantamentos regionais sugerem índices semelhantes, o que representa milhares de famílias impactadas pela enfermidade.

Tratamentos disponíveis e pesquisas recentes

Até agora, não existe cura para a doença de Huntington. O tratamento disponível controla apenas sintomas motores e psiquiátricos e é complementado por cuidados multidisciplinares. Essa realidade começou a ser questionada com dados de uma terapia genética experimental chamada AMT-130, em investigação em dois ensaios clínicos internacionais⁴,⁵ e divulgados em setembro de 2025 por centros de pesquisa nos Estados Unidos e no Reino Unido⁶.

O procedimento envolve uma neurocirurgia em que um vírus modificado, usado como transportador seguro (vetor viral), é injetado em regiões específicas do cérebro. Esse “mensageiro” viral carrega moléculas de RNA desenhadas para reduzir a produção da huntingtina. Em ensaio clínico de fase inicial — etapa que avalia segurança e primeiros sinais de efeito — pacientes com a dose mais alta foram acompanhados por até três anos⁴,⁵. Em comparação com pessoas não tratadas, observou-se evolução mais lenta nas funções motora, cognitiva e de autonomia, medida por uma escala combinada⁷.

O mesmo estudo também relatou que o biomarcador neurofilament light chain (NfL), proteína liberada quando há dano neuronal, permaneceu estável ou em queda nos pacientes tratados — comportamento inverso ao observado normalmente na doença de Huntington⁸.

Limitações e outras linhas de pesquisa

Como os dados são preliminares e ainda não foram publicados em revista revisada por pares, sua interpretação exige cautela. O estudo tem número limitado de participantes, seguimento ainda relativamente curto e comparação com dados históricos, não com grupo controle interno. Por isso, muitos especialistas aguardam confirmações adicionais.

Além dessa estratégia, outras linhas de pesquisa estão em andamento, como terapias de RNA (para silenciar a expressão genética) e compostos neuroprotetores (para proteger neurônios existentes)⁹. Embora ainda não tenham mostrado impacto clínico robusto, ampliam o horizonte das investigações em doenças neurodegenerativas raras.

Impacto no Brasil e importância do diagnóstico precoce

No Brasil, onde a doença de Huntington ainda é pouco conhecida e o acesso a centros especializados é restrito, ampliar a conscientização é essencial. O impacto social é grande: a enfermidade demanda cuidado contínuo, pressiona cuidadores e compromete a qualidade de vida familiar. Além disso, o teste genético preditivo levanta dilemas éticos, pois identificar a mutação em pessoa sem sintomas pode gerar angústia sem solução terapêutica disponível. O acesso costuma ocorrer por encaminhamento em serviços de neurologia e genética médica.

Os sintomas iniciais que merecem atenção incluem movimentos involuntários sutis (coreia leve), dificuldade para coordenar gestos, lapsos de memória leve, desatenção, irritabilidade ou mudanças de personalidade. Quem apresentar esses sinais ou tiver histórico familiar deve procurar um neurologista, médico responsável pela investigação clínica e pelo encaminhamento a exames genéticos. O acompanhamento multidisciplinar — envolvendo neurologia, psiquiatria, fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia — segue sendo fundamental no manejo da doença. Se os avanços forem confirmados, essa pode ser a porta de entrada para uma nova fase, na qual a doença de Huntington deixe de ser considerada inevitavelmente progressiva.


Referências

  1. Pringsheim T, Wiltshire K, Day L, Dykeman J, Steeves T, Jette N. The incidence and prevalence of Huntington’s disease: a systematic review and meta-analysis. Mov Disord. 2012;27(9):1083-91. doi:10.1002/mds.25075.
  2. StatPearls. Huntington Disease – herança autossômica dominante e mutação CAG. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559166/
  3. Roos RA. Huntington’s disease: a clinical review. Orphanet J Rare Dis. 2010;5:40. Disponível em: https://ojrd.biomedcentral.com/articles/10.1186/1750-1172-5-40
  4. ClinicalTrials.gov. NCT04120493 – A Safety and Efficacy Study of AMT-130 in Adults With Huntington’s Disease.
  5. ClinicalTrials.gov. NCT05243017 – A Safety and Efficacy Study With Open-Label Extension of AMT-130 in Adults With Huntington’s Disease.
  6. UCL. Gene therapy appears to slow Huntington’s disease progression. 24 set. 2025. Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/news/2025/sep/gene-therapy-appears-slow-huntingtons-disease-progression
  7. Schobel SA, et al. Motor, cognitive, and functional declines contribute to a single progressive factor in early HD. Neurology. 2017;89(24):2495-502.
  8. Byrne LM, et al. Neurofilament light protein in blood as a potential biomarker of neurodegeneration in Huntington’s disease. Lancet Neurol. 2017;16(8):601-609.
  9. Tabrizi SJ, et al. Huntington’s disease: new insights into mechanisms and therapeutic opportunities. Nat Rev Neurol. 2022;18:637–652. doi:10.1038/s41582-022-00682-6

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Deborah LIma

Jornalista do Saúde a Sério

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