
Quem nunca terminou o dia com as pernas pesadas, doloridas, pedindo trégua? Depois de horas em pé, um corre-corre sem fim ou um treino mais puxado, é comum sentir aquele incômodo no fim do dia. Mas a dor também é um recado do corpo — e entender o que ela quer dizer é o primeiro passo para cuidar melhor de quem te leva a todos os lugares.
As pernas são estruturas complexas, formadas por ossos, músculos, articulações, vasos e nervos que trabalham em conjunto. Quando algo foge desse equilíbrio, a dor surge como sinal de alerta. A boa notícia é que, conhecendo as causas mais comuns e os sinais de atenção, dá para agir com segurança e evitar complicações. Segundo o National Institute for Health and Care Excellence, órgão de referência do sistema de saúde britânico, as causas mais frequentes de dor nas pernas envolvem sobrecarga muscular, alterações na circulação e compressões de nervos periféricos¹. Estima-se que até um terço da população adulta apresente episódios de dor ou sensação de peso nas pernas ao longo da vida.
Quando a circulação dá sinais
Problemas circulatórios estão entre as causas mais comuns de dor e peso nas pernas. As diretrizes da Sociedade Europeia de Cirurgia Vascular, publicadas em 2022, apontam que a insuficiência venosa crônica — grupo que inclui as varizes — é uma das principais origens desse desconforto². O incômodo costuma piorar ao longo do dia e vem acompanhado de inchaço nos tornozelos, coceira e mudanças na cor da pele.
Ao contrário do que se imagina, varizes não são apenas um problema estético: indicam uma falha na circulação e, sem tratamento, podem causar dor, inflamação e até úlceras. Cruzar as pernas, por outro lado, não provoca varizes — apenas pode acentuar sintomas em quem já tem predisposição. Em mulheres, fatores hormonais como gravidez, uso de anticoncepcionais e menopausa tendem a intensificar os sintomas, já que afetam a elasticidade e o tônus dos vasos.
Na doença arterial periférica (DAP)³, o quadro é o oposto: o sangue rico em oxigênio não chega adequadamente aos músculos. O sintoma clássico é a chamada “dor da vitrine” — uma cãibra na panturrilha que surge ao caminhar e melhora com o repouso. Pés frios e pele pálida ou arroxeada também exigem atenção médica.
Já a trombose venosa profunda (TVP)⁴ é uma urgência. Dor e inchaço súbitos em apenas uma das pernas, associados a calor e vermelhidão, podem indicar a formação de um coágulo. Procurar atendimento imediato é essencial, já que o trombo pode se deslocar e causar uma embolia pulmonar.
As meias de compressão — muitas vezes associadas apenas a idosos — são aliadas úteis em várias situações, como durante viagens longas, na gravidez ou em pessoas que passam muito tempo em pé. O ideal é que o modelo e o grau de compressão sejam indicados por um profissional de saúde⁵.
Músculos, nervos e ossos: quando o esforço cobra o preço
A dor muscular nem sempre tem origem vascular. Segundo a American Academy of Orthopaedic Surgeons, esforços repetitivos, postura inadequada e doenças articulares estão entre as causas mais frequentes⁶. A dor (ou mialgia) geralmente aparece após esforço físico intenso ou atividades novas e tende a melhorar com repouso, hidratação e medidas simples, como compressas mornas e alongamentos leves. Embora muita gente associe cãibras à falta de potássio, a maioria dos casos está ligada à desidratação e à fadiga muscular⁷.
Quando o desconforto é acompanhado de formigamento, queimação ou dor que desce da lombar até a perna, pode se tratar de ciática, dor causada pela compressão do nervo ciático. O tratamento depende da gravidade, podendo incluir fisioterapia, exercícios e, em casos específicos, outras abordagens médicas.
Outro quadro comum é a neuropatia periférica, especialmente em pessoas com diabetes⁸. O paciente descreve sensações de queimação, dormência ou “agulhadas” nos pés e nas pernas. De acordo com a Associação Americana de Diabetes, o controle rigoroso da glicemia e o cuidado com os pés são fundamentais para evitar complicações.
Entre as causas ortopédicas, destacam-se artrose, tendinite, fraturas por estresse e fascite plantar — inflamação na sola do pé que provoca dor intensa ao apoiar os pés pela manhã⁹. Todas exigem avaliação médica. Quando há suspeita de lesões ou compressões nervosas, exames de imagem como ultrassonografia ou ressonância magnética ajudam a esclarecer o diagnóstico¹⁰.
Certos medicamentos também podem causar dor muscular. As estatinas, usadas no controle do colesterol, estão entre os principais exemplos¹¹. Esse efeito adverso é incomum, mas deve ser relatado ao médico sempre que surgir após o início de um tratamento — ajustes de dose costumam resolver o problema.
Condições específicas que merecem atenção
Nem toda dor nas pernas está ligada a esforço ou circulação. A síndrome das pernas inquietas é uma das causas menos conhecidas: provoca uma vontade irresistível de mover as pernas, geralmente à noite, o que prejudica o sono e melhora apenas com o movimento. A Academia Americana de Medicina do Sono estima que entre 5% e 10% dos adultos convivam com esse distúrbio¹³. O tratamento combina ajustes no estilo de vida, correção de deficiências nutricionais e, quando necessário, medicamentos específicos.
Na infância, as chamadas dores de crescimento¹⁴ são comuns entre os 3 e 12 anos. Elas costumam aparecer à noite, em ambas as pernas, e desaparecer pela manhã. Embora sejam benignas, pais e cuidadores devem ficar atentos: febre, inchaço, mancar ou dor sempre no mesmo local são sinais de alerta que exigem avaliação pediátrica. Estudos indicam que essas dores atingem até 30% das crianças, especialmente em fases de crescimento acelerado.
Infecções de pele, como a celulite bacteriana¹⁵, e doenças sistêmicas, como a insuficiência cardíaca¹⁶, também podem causar dor e inchaço nos membros inferiores. As diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia reforçam que sintomas como vermelhidão, calor local e inchaço persistente pedem atenção imediata. Em casos raros, traumas ou esforços extremos podem desencadear a síndrome compartimental aguda, uma emergência médica que exige tratamento rápido para evitar danos aos músculos e nervos.
Cuidar das pernas é cuidar de si
A dor nas pernas precisa ser analisada dentro da história de cada pessoa. Hábitos, condições de saúde e rotina influenciam tanto quanto o sintoma em si. Observar onde dói, quando piora e o que traz alívio ajuda o médico a chegar à causa certa.
Evite o autodiagnóstico e a automedicação. Só uma avaliação clínica pode indicar o tratamento adequado. Manter uma rotina ativa, alternar períodos sentado e em pé, hidratar-se e cuidar da alimentação são medidas simples que ajudam a preservar a circulação e prevenir desconfortos¹⁷.
Diante de sintomas persistentes, o clínico geral ou o médico de família é o profissional indicado para a primeira avaliação. Ele pode orientar o tratamento inicial e encaminhar o paciente a um especialista, se necessário.
Cuidar das pernas é preservar a liberdade de se mover — e isso também é cuidar da qualidade de vida.
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