
Todo mês de outubro, as campanhas de conscientização sobre câncer de mama ganham destaque nas redes sociais, nos consultórios e na mídia. Mas, junto com boas informações, circula também um volume preocupante de desinformação — e isso pode custar vidas.
Como mastologista, vejo diariamente o impacto dessas crenças equivocadas. Muitas mulheres chegam ao consultório com dúvidas baseadas em vídeos no WhatsApp, postagens nas redes ou conselhos bem-intencionados, mas sem base científica. Essas informações incorretas podem mudar comportamentos e comprometer a sobrevida. Além disso, condições benignas ainda provocam medo e ansiedade desnecessários. Por isso, é urgente esclarecer, com base em evidências científicas, o que é mito e o que é verdade sobre saúde das mamas.
Mamografia não causa câncer: a radiação é segura
Entre as fake news mais graves está a ideia de que a mamografia causaria câncer. Nenhum estudo sustenta essa hipótese¹. Os mamógrafos modernos emitem doses mínimas de radiação, em níveis totalmente seguros para a mama e para a tireoide.
O protetor de tireoide não é obrigatório
Outra crença comum é que o protetor de tireoide seja obrigatório. O Colégio Brasileiro de Radiologia esclarece que o uso não é necessário de rotina, embora possa ser oferecido se a paciente preferir². A radiação da mamografia não aumenta o risco de câncer de tireoide.
A compressão das mamas é segura e necessária
O desconforto causado pela compressão é o principal motivo de resistência ao exame. Mas ela é essencial: reduz a espessura do tecido e permite imagens mais nítidas. Sem essa etapa, o exame perderia precisão.
Nos equipamentos digitais mais modernos, o nível de compressão é automático e ajustado pelo próprio aparelho. Nos mais antigos, o procedimento é feito manualmente por técnicos treinados. Para diminuir o incômodo, recomenda-se que mulheres em idade fértil marquem o exame após a menstruação, quando as mamas estão menos sensíveis.
A compressão não provoca lesões, traumas, flacidez nem espalha células tumorais³⁴. Também é mito que o exame possa romper implantes de silicone. Desde os anos 1980, estudos mostram que a mamografia é segura nessas pacientes, com técnicas específicas como as manobras de Eklund⁵. Os implantes não elevam o risco de câncer⁶ — apenas podem exigir mais imagens para melhor visualização.
Autoexame não substitui a mamografia
O autoexame é importante para que a mulher conheça o próprio corpo, mas não substitui o rastreamento mamográfico⁷.
A mamografia identifica alterações de até cinco milímetros, enquanto o toque só detecta nódulos a partir de um ou dois centímetros, quando a doença pode estar mais avançada⁸.
O exame de rastreamento reduz a mortalidade em até 30%, benefício que o autoexame isolado não oferece⁹.
O Ministério da Saúde atualizou as diretrizes em outubro de 2024: o SUS agora cobre o exame anual até os 75 anos e amplia a possibilidade para mulheres a partir dos 40, conforme decisão conjunta com o médico¹⁰. Essa é a mesma recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia, válida desde 2008.
Biópsia não espalha o câncer
Outra fake news perigosa afirma que a biópsia com agulha “espalharia” o tumor. É falso.
A biópsia por agulha guiada por ultrassom¹¹ é um dos métodos mais seguros e não aumenta o risco de metástases nem piora o prognóstico¹². Pode causar leve dor ou hematomas, mas não interfere no controle da doença.
Desodorantes não causam câncer de mama
A hipótese de que desodorantes com alumínio causariam câncer também não se sustenta.
Revisões científicas mostram que não há nenhuma relação comprovada entre o uso desses produtos e o aumento de risco¹³.
Anticoncepcionais e risco: o que dizem os estudos
O uso de anticoncepcionais hormonais está associado a um leve aumento no risco relativo de câncer de mama, mas esse aumento é pequeno¹⁴. Em números absolutos, o risco é inferior a 1% e cai gradualmente após a interrupção do uso¹⁵.
Em compensação, eles oferecem proteção comprovada contra câncer de ovário e endométrio, doenças com mortalidade mais alta¹⁶. A decisão deve ser individual, feita junto ao ginecologista.
Veneno de abelha não trata câncer
Em 2020, viralizou a ideia de que o veneno de abelha teria poder de cura contra o câncer. Nenhum estudo em humanos confirma essa hipótese¹⁷.
A confusão surgiu de pesquisas em laboratório, mas o uso indevido pode causar reações graves e até choque anafilático.
Hormônios não tratam câncer de mama
Também circula a falsa promessa de que hormônios serviriam como tratamento.
Na prática, eles podem ser usados apenas em situações muito específicas, para aliviar efeitos colaterais da quimioterapia, como secura vaginal severa ou sintomas intensos de menopausa precoce.
Mesmo assim, o uso exige avaliação rigorosa e acompanhamento médico constante. Cada caso depende do tipo de tumor, do perfil da paciente e do hormônio considerado.
São exceções terapêuticas, nunca alternativas para tratar o câncer de mama.
Câncer de mama nem sempre causa dor
A ausência de dor não significa ausência de doença.
Nos estágios iniciais, o câncer de mama costuma ser assintomático¹⁹. A dor aparece, em geral, quando o tumor já está mais avançado²⁰.
Alterações no formato da mama, retração da pele ou do mamilo, e secreção sanguinolenta são sinais de alerta que precisam ser avaliados por um mastologista.
Prevenção: o estilo de vida conta
Cerca de 85% dos casos de câncer de mama no Brasil estão ligados a fatores de estilo de vida²¹.
Sedentarismo, obesidade e alimentação rica em ultraprocessados são os principais fatores de risco.
Manter o peso saudável é uma forma direta de prevenção.
Medidas de cintura acima de 88 cm indicam obesidade abdominal, fator de risco mesmo após a menopausa²².
Histórico familiar não é o principal fator
Apenas 15% dos casos têm origem genética²³. A maioria está ligada a hábitos de vida e fatores ambientais, o que reforça o papel da prevenção ativa.
Avanços no tratamento aumentam a sobrevida
Nunca se viveu tanto após o diagnóstico de câncer de mama.
Graças à mamografia de rastreamento e a tratamentos oncológicos mais precisos, a mortalidade caiu mais de 30% nas últimas décadas²⁴.
Hoje, é possível personalizar as terapias de acordo com os subtipos moleculares do câncer de mama, o que torna o tratamento mais eficaz e menos invasivo.
Cirurgias menos agressivas e reconstrução imediata
As cirurgias oncológicas também evoluíram muito²⁵.
Procedimentos antes mutiladores deram lugar a cirurgias conservadoras, que preservam boa parte da mama.
A reconstrução mamária pode ser feita no mesmo ato cirúrgico, conforme as características de cada caso.
Gravidez e fertilidade após o tratamento
Mulheres que enfrentaram câncer de mama podem engravidar com segurança após o tratamento.
Depois de cerca de dois anos, a gestação não aumenta o risco de recorrência²⁶²⁷.
Antes da quimioterapia, deve-se discutir técnicas de preservação da fertilidade, como o congelamento de óvulos ou tecido ovariano²⁸.
Amamentar protege contra o câncer
A amamentação é um fator protetor importante.
O aleitamento materno reduz o risco de câncer por favorecer a maturação dos lóbulos mamários e fortalecer o sistema imunológico²⁹³⁰.
Cada ano de amamentação reduz o risco em cerca de 4%. Quanto maior o tempo total de amamentação ao longo da vida, maior o benefício.
Homens também podem ter câncer de mama
Embora raro — cerca de 1% dos casos —, homens também podem desenvolver câncer de mama³¹.
O mastologista é o profissional indicado para acompanhar qualquer alteração na região do mamilo ou da aréola.
É importante diferenciar o câncer da ginecomastia, crescimento benigno do tecido mamário³², comum na adolescência ou em homens que usam certos medicamentos, como anti-hipertensivos e estatinas.
Nódulos benignos: fibroadenoma, cistos e mastalgia
Grande parte das consultas envolve condições benignas, que não representam risco de câncer.
Sutiãs não prejudicam as mamas
Não existe nenhum tipo de sutiã que cause câncer.
Modelos com ou sem aro não interferem na drenagem linfática nem aumentam o risco da doença.
Em mulheres com mamas volumosas, o uso de um sutiã adequado pode, inclusive, aliviar dores causadas pelo peso e movimento excessivo.
Desenvolvimento natural das mamas
Nada do que se faz externamente altera o crescimento ou formato natural das mamas.
Crenças como “dormir com sutiã ajuda” ou “massagens aumentam” são mitos. O formato é determinado por fatores genéticos e hormonais.
Controlar a obesidade e a inflamação crônica ajuda na prevenção de doenças, mas não muda a estética.
Fibroadenoma: o nódulo benigno mais comum
O fibroadenoma é o nódulo benigno mais frequente — firme, móvel e indolor.
Geralmente aparece em adolescentes e mulheres jovens e não se transforma em câncer³³.
O diagnóstico é feito por ultrassom e confirmado por biópsia quando necessário.
Na maioria das vezes, o acompanhamento periódico é suficiente.
Cistos mamários
Os cistos são formações cheias de líquido, ligadas às flutuações hormonais³⁴.
Costumam ser assintomáticos e desaparecem sozinhos. Quando causam desconforto, podem ser palpáveis e dar sensação de peso.
Os cistos simples não aumentam o risco de câncer.
Mastalgia: a dor mamária cíclica
A mastalgia — dor nas mamas — é uma das queixas mais comuns e, na maioria das vezes, benigna³⁵.
Ocorre geralmente antes da menstruação e melhora depois.
Até 70% das mulheres sentem esse tipo de dor ao longo da vida.
Quando é cíclica e afeta as duas mamas, raramente está associada ao câncer.
Para Levar a Sério
- A mamografia é segura — a radiação usada é mínima e não causa câncer.
- Biópsia não espalha o tumor. É um exame essencial para confirmar o diagnóstico com segurança.
- Autoexame é importante para conhecer o corpo, mas não substitui a mamografia.
- O SUS agora cobre o exame anual dos 40 aos 75 anos, conforme recomendação médica.
- Desodorantes, sutiãs e implantes de silicone não aumentam o risco de câncer de mama.
- Anticoncepcionais hormonais têm impacto mínimo no risco e ainda protegem contra outros tipos de câncer.
- Estilo de vida saudável é a principal forma de prevenção: evite o sedentarismo, controle o peso e cuide da alimentação.
- Amamentar protege: cada ano de aleitamento reduz o risco em cerca de 4%.
- Homens também podem ter câncer de mama — qualquer nódulo ou alteração deve ser avaliado.
- Diagnóstico precoce salva vidas: faça sua mamografia, procure um mastologista e desconfie das fake news.
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