Solidão é ameaça global e equivale a fumar 15 cigarros por dia

OMS e estudos internacionais apontam impacto do isolamento na saúde e no risco de morte precoce

OMS e estudos internacionais apontam impacto do isolamento na saúde e no risco de morte precoce

O impacto sobre o cérebro também preocupa. Estudo publicado no The Journals of Gerontology em 2020 mostrou que pessoas socialmente isoladas têm mais de 50% de risco aumentado de desenvolver demência⁵. Uma análise mais recente, do National Institute on Aging, em 2025, revelou que sentir-se solitário aumenta em 31% a probabilidade de desenvolver a doença⁶. A interação social funciona como exercício para o cérebro; sem ela, o declínio cognitivo — ou seja, a perda progressiva de memória e de funções mentais — acelera significativamente.

A Organização Mundial da Saúde reconheceu em 2023 a solidão como ameaça global à saúde pública². No mesmo ano, o cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, publicou o relatório oficial Our Epidemic of Loneliness and Isolation, que associa o isolamento social a maior risco de doenças crônicas e mortalidade¹. A condição, segundo as evidências disponíveis, pode ser tão nociva quanto fumar diariamente.

A gravidade da situação levou a OMS a criar, em 15 de novembro de 2023, uma comissão internacional específica para combater o problema². O órgão classificou a solidão como uma ameaça urgente à saúde pública global.

No Brasil, os números são ainda mais preocupantes. Levantamento realizado pelo Instituto Ipsos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, intitulado Perceptions of the Impact of Covid-19, mostrou que 50% dos brasileiros se sentem solitários — o maior índice entre 28 países pesquisados³. Em segundo lugar aparecem os turcos (46%) e, em terceiro, os indianos (43%). A média global foi de 33%. Mais da metade dos brasileiros (52%) relatou aumento da solidão nos seis meses anteriores ao levantamento, contra 41% da média global. Para 43% dos entrevistados no país, o período trouxe impacto negativo direto à saúde mental³.

Efeitos no corpo e na mente

Quando o isolamento social se prolonga, o organismo interpreta a situação como uma ameaça à sobrevivência. O resultado pode ser devastador, conforme demonstram estudos científicos. Segundo pesquisa publicada no JAMA Network Open em 2022, isolamento e solidão estão associados a um aumento de 30% no risco de doenças cardiovasculares incidentes⁴. A solidão crônica eleva a pressão arterial e altera o ritmo cardíaco, favorecendo doenças do coração.

O sistema imunológico também sofre. A solidão enfraquece as defesas naturais, tornando o corpo mais vulnerável a infecções. Enquanto a resposta a vírus fica comprometida, cresce a inflamação crônica, isto é, uma resposta persistente do organismo ligada a doenças como diabetes e problemas cardíacos. Pesquisas ainda mostram reflexos no comportamento financeiro: pessoas solitárias tendem a apresentar maior estresse diante de instabilidade econômica, fenômeno conhecido como volatilidade de mercado, o que retroalimenta quadros de ansiedade e isolamento.

No conjunto, o impacto pode levar à morte prematura. O documento oficial do Cirurgião-Geral dos EUA aponta que a solidão e o isolamento social aumentam o risco de morte precoce em 26% e 29%, respectivamente¹. Esse índice é comparável aos efeitos da obesidade e do tabagismo.

A famosa comparação com 15 cigarros surgiu em uma meta-análise — estudo que reúne resultados de diversas pesquisas — conduzida pela pesquisadora Julianne Holt-Lunstad em 2010, intitulada Social Relationships and Mortality Risk⁷. A análise concluiu que a ausência de conexões sociais consistentes eleva o risco de mortalidade em proporção semelhante ao tabagismo moderado. O estudo considerou o conjunto das relações sociais — apoio social, tamanho da rede e isolamento — e não apenas a solidão.

É importante destacar que a maior parte das evidências sobre solidão e saúde vem de estudos observacionais. Isso significa que apontam associação, e não necessariamente causalidade direta.

Impactos sociais e pandemia

A relação entre solidão e saúde mental é um ciclo destrutivo. O isolamento dispara sintomas de depressão e ansiedade, que por sua vez reforçam o distanciamento. Pessoas solitárias desenvolvem padrões de pensamento negativos, têm o sono prejudicado e vivem em estado de estresse crônico.

Idosos estão entre os mais afetados. Segundo a OMS, um em cada quatro vive em isolamento social significativo². Aposentadoria, perda de vínculos afetivos e limitações de mobilidade tornam esse grupo especialmente suscetível. Paradoxalmente, a geração mais conectada digitalmente também enfrenta altos níveis de solidão. Entre adolescentes, as taxas variam de 5% a 15%, segundo a OMS². As redes sociais, embora ofereçam interação, podem contribuir para o isolamento ao favorecer comparações sociais e substituir relações presenciais por contatos superficiais.

A pandemia de COVID-19 funcionou como catalisador da crise. As medidas de distanciamento social, embora necessárias, tiveram efeitos devastadores para a saúde mental. A pesquisa Ipsos³ mostrou que a sensação de solidão aumentou em quase todos os países durante esse período.

Respostas globais e prevenção

A gravidade do problema levou países como Reino Unido e Japão a criar ministérios específicos para formular políticas de combate ao isolamento social. Nos Estados Unidos, foi lançado um plano nacional para promover a conexão social. No âmbito global, a Comissão da OMS sobre Conexão Social, co-presidida por Vivek Murthy e Chido Mpemba, foi lançada em novembro de 2023 com duração de três anos². O objetivo é estabelecer uma agenda internacional para reduzir o isolamento e propor soluções baseadas em evidências. “Altas taxas de isolamento social e solidão ao redor do mundo têm sérias consequências para a saúde e o bem-estar”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ao anunciar a iniciativa.

Na esfera individual, especialistas orientam que a prevenção passa pela construção de conexões reais: participar de atividades sociais, manter contato frequente com familiares e amigos e investir em qualidade de relacionamentos. Hábitos saudáveis de sono, prática de exercícios e acompanhamento psicológico também ajudam a reduzir a ansiedade ligada ao isolamento. Práticas de mindfulness, conhecidas como técnicas de atenção plena, podem auxiliar. A tecnologia deve ser usada como ponte, não como substituta. Em alguns países, médicos têm recorrido à chamada “prescrição social”, que consiste em recomendar atividades sociais como parte do tratamento clínico.

A solidão não é apenas um problema individual, mas uma questão de saúde pública. Relatórios da OMS², do Cirurgião-Geral dos EUA¹ e pesquisas internacionais³⁴⁵⁶⁷ indicam que enfrentar o isolamento social é urgente para reduzir riscos de doenças graves e de mortalidade. Reconhecer o problema e adotar medidas concretas é fundamental para proteger a saúde física e mental da população.

Referências

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Eduardo A. Amaro

Psicólogo especializado em neurociência e comportamento humano pela PUC-SP, com atuação dedicada à promoção da saúde mental no contexto hospitalar e materno-infantil.

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